benson1_Paula BronsteinGetty Images_bangladeshcholeravaccine Paula Bronstein/Getty Images

Ganhando a luta contra a cólera

JOANESBURGO – A partir de 2017, o Iêmen sofreu o maior (e de transmissão mais rápida) surto de cólera da história contemporânea. Milharesdenovoscasos foram registrados diariamente, mais da metade em crianças. E o Iêmen não estava só; naquele ano, mais de 1,2 milhão de pessoas contraíram cólera em 34 países, e 5.654 morreram. Uma vez que a cólera é prevenível e tratável, isso jamais devia ter acontecido. Felizmente, há razões para esperar que isso não voltará a acontecer.

A cólera é uma doença diarreica causada pelo consumo de água ou comida contaminada pela bactéria Vibrio cholerae. Ela se propaga rapidamente em regiões onde o esgoto e os canais de água não são tratados de modo adequado, o que a torna em grande parte uma doença que afeta os mais pobres e vulneráveis - os muito jovens, os muito velhos, os subnutridos. Sem tratamento, a cólera pode matar em questão de horas. Embora o tratamento - reidratação terapêutica básica - seja simples, é improvável que os integrantes mais marginalizados da sociedade tenham acesso a ele.

Porém, nos últimos três anos, a Força-Tarefa Global de Controle da Cólera - uma parceria com mais de 50 organizações - vem trabalhando para eliminar a cólera da lista de ameaças à saúde pública. Como presidente da GTFCC (sigla do nome do grupo em inglês, Global Task Force on Cholera Control), tenho orgulho de apoiar nosso planejamentoglobal, que visa extinguir a doença em 20 países e chegar a uma redução de 90% no número de mortes relacionadas até 2030, seja ampliando o uso da vacina oral da cólera ou melhorando os serviços de água, saneamento e higiene (ASH).

Conforme o planejamento, os parceiros da GTFCC começaram a trabalhar no fim de 2017 para estabelecer um sistema de apoio para os países afetados pela cólera. Ao ampliar a escala do suporte técnico e oferecer ferramentas e recomendações para apoiar o desenvolvimento de planos nacionais de controle da cólera, a GTFCC está contribuindo para permitir aos governos federais tomar a liderança na implementação.

No Haiti, por exemplo, o Ministério da Saúde Pública e da População enviou times de resposta rápida às regiões afetadas, onde equipes desinfetaram casas, distribuíram materiais de higiene e ofereceram educação sanitária. Em 2018, o país registrou seu menor número de casos de cólera desde o início da epidemia, em 2010. O Haiti não confirma um caso de cólera há bem mais de um ano, uma herança da força da vigilância sanitária e dos serviços de ASH.

Além disso, com o apoio dos parceiros da GTFCC, nove países afetados distribuíram 10,5 milhões de doses da vacina oral da cólera em 2017. Em um ano, relatou a Organização Mundial de Saúde, os casos de cólera despencaram 60%, para 499.447 em 34 países, com 2.990 mortes. Embora o papel preciso que a vacina teve nesta queda ainda não esteja plenamente documentado, ela é claramente parte importante da solução.

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Países afetados pela cólera têm continuado a liderar esta luta. Ao longo dos últimos três anos, com o apoio da Gavi, a Aliança pela Vacina, eles distribuíram mais de 50 milhões de doses da vacina oral da cólera. Houve de fato surtos de cólera no Burundi, República Democrática do Congo, Etiópia, Moçambique e Sudão. Mas os países atingidos conseguiram reagir de modo muito mais eficaz, em parte graças ao apoio da GTFCC.

Também há esforços no sentido de ir além da reação aos surtos. Esforços para fortalecer o controle e a erradicação da cólera no longo prazo já estão encaminhados em Bangladesh, Zâmbia e Zimbábue. O poder da ação preventiva foi demonstrado em Moçambique no ano passado; após tufões aumentarem o risco de um surto, o governo rapidamente lançou uma campanha de vacinação e impediu com sucesso que a doença se instalasse.

Porém, a vacina oral da cólera - cuja eficácia dura só três anos - não é uma solução de longo prazo. Em vez disso, ela permite uma ponte entre a reação aos surtos e o controle da doença no longo prazo. Com as mudanças climáticas, a urbanização e o crescimento populacional propiciando solo fértil para a cólera, precisamos que mais países atravessem essa ponte - e logo.

Isso significa continuar a trabalhar com produtores para ampliar acesso à vacina. O reembolso bem-sucedido de US$ 8,8 bilhões da Gavi de junho vai ser de grande ajuda no sentido de avançar nesta meta. Ele também quer dizer que vão aumentar os investimentos para fortalecer os serviços de ASH, que podem proteger populações da cólera muito depois do efeito da vacina passar.

Além disso, para atingir nossas metas de planejamento global em um cenário mundial que muda cada vez mais depressa, os países precisam de mecanismos de suporte flexíveis e com recursos de apoio adequados. Por isso o secretariado da GTFCC está estabelecendo a Plataforma de Apoio aos Países, para complementar o programa de cólera da OMS.

A Plataforma de Apoio aos Países será responsável por garantir a organização eficaz dos recursos de controle da cólera e por apoiar os países e comunidades mais necessitados. Isso incluirá capacitar para vigilância, comunicações e análises. Afinal, não podemos combater a cólera a menos que saibamos precisamente onde ela está atacando.

Para isto, precisamos pôr fim ao estigma que envolve a cólera. Embargos à circulação de pessoas e mercadorias não são apenas ineficientes para prevenir a transmissão da doença; eles também fazem os governos hesitar a comunicar surtos, por medo do impacto econômico. Se os países tivessem certeza de que teriam apoio em vez de punições, poderiam adotar uma abordagem proativa de prevenção. O objetivo da Plataforma de Apoio ao Países é reforçar a capacidade dos países de deter surtos antes que eles comecem.

Felizmente, muitos países - como Etiópia, Quênia e Sudão - vêm se comprometendo a desenvolver planos multissetoriais de controle da cólera, com a assistência da GTFCC. Para que isso funcione, comunicação e cooperação sem fronteiras e eficaz entre legisladores, trabalhadores do setor de saúde, provedores de serviços de ASH e comunidades locais é essencial. A Plataforma de Apoio aos Países vai facilitar tais esforços, servindo de polo para o trabalho da GTFCC e ajudando a cultivar colaboração eficiente.

A pandemia de covid-19 vem sobrecarregando seriamente os sistemas de saúde do mundo todo. A última coisa de que os países precisam é lidar com surtos de cólera. A GTFCC - e a nova Plataforma de Apoio aos Países - estápronta para ajudar a garantir que não irão.

Tradução de Fabrício Calado Moreira

https://prosyn.org/6DedcPppt