delong265_LEONARDO MUNOZAFP via Getty Images_election LEONARDO MUNOZ/AFP via Getty Images

A desinformação decidiu as eleições nos EUA

BERKELEY – Três dias após a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais deste ano nos Estados Unidos, meu amigo Dean Baker, do Center for Economic and Policy Research, tuitou: “Detesto colocar muitos especialistas altamente remunerados fora do mercado, mas vejam este maldito gráfico”. A imagem que acompanhava era um infográfico da Ipsos com o título: “Opiniões desinformadas sobre imigração, crime e economia estão correlacionadas com a escolha do voto”.

Numa pesquisa Reuters/Ipsos realizada no início de outubro, os eleitores em potencial que sabiam ou supunham que os crimes violentos não estavam no nível mais alto de todos os tempos ou próximo a ele favoreceram Kamala Harris por uma margem de 65 pontos percentuais, enquanto os que estavam mal informados apoiaram Donald Trump por uma margem de 26 pontos. Da mesma forma, entre os que sabiam que a inflação havia caído no último ano, Harris subiu 53 pontos, enquanto Trump subiu 19 pontos entre os desinformados. Entre os que sabiam que o mercado de ações estava em uma alta histórica, Harris subiu 20 pontos; e entre os que sabiam que os cruzamentos da fronteira sul haviam diminuído, Harris subiu 59 pontos.

Com o que estamos lidando aqui? Os eleitores de Trump expressam crenças desinformadas sobre as taxas de crimes violentos, a taxa de inflação, o mercado de ações e a travessia de fronteiras porque são eleitores de Trump ou são eleitores de Trump porque de fato acreditam nessas falsidades e estão genuinamente temerosos pelo futuro de seu país? Se for o último caso, é preciso perguntar como eles passaram a ter essas falsas crenças. E quando entendermos isso, precisaremos descobrir o que fazer com um ecossistema de informações que enganou milhões de pessoas e transformou nossa política num circo.

Nesse momento, as pessoas que querem desinformá-lo aparecerão e gritarão: “Mas houve muitas travessias de fronteira! Houve uma onda de crimes violentos!” (Não importa que isso tenha começado durante o governo Trump). “A inflação foi alta!” (Na verdade, foi moderada: a taxa anual máxima foi de 9% no ano que terminou em junho de 2022, mas 3% no ano que terminou em junho de 2023 e 2,4% no ano que terminou em setembro de 2024). “Ok, mas as pessoas ficam confusas quando perguntadas sobre assuntos econômicos complexos! O que eles realmente queriam dizer é que os preços subiram e não caíram!” (Como se a deflação fosse ajudar alguém).

É claro que as mesmas pessoas ficarão caladas em relação ao mercado de ações, porque todo mundo sabe que ele está em níveis recordes ou próximo deles. Os índices de ações são a forma pela qual a grande mídia mantém o placar quando se trata de informar sobre a economia. Notícias sobre novos recordes de alta são frequentes e onipresentes.

Essas mesmas pessoas também ficarão caladas se você questionar as crenças delas. Admito que as pessoas talvez não saibam a velocidade com que as coisas mudaram ou não saibam a diferença entre inflação alta e preços mais altos. Mas todos sabem que sempre é possível usar uma câmera para encontrar alguns exemplos de praticamente qualquer coisa no mundo, dependendo do que se está procurando. Ao mesmo tempo, a maioria dos norte-americanos que olham em seus próprios bairros ou verificam suas contas de aposentadoria sabem que eles e seus amigos e colegas do mundo real estão muito bem. Seus 401(k)s (termo que designa aposentadoria paga pelo empregador, nos EUA) estão muito altos e nenhum haitiano está fazendo churrasco de gatos.

Winter Sale: Save 40% on a new PS subscription
PS_Sales_Winter_1333x1000 AI

Winter Sale: Save 40% on a new PS subscription

At a time of escalating global turmoil, there is an urgent need for incisive, informed analysis of the issues and questions driving the news – just what PS has always provided.

Subscribe to Digital or Digital Plus now to secure your discount.

Subscribe Now

Isso nos leva de volta à questão de saber se as pessoas estão mal-informadas porque querem. Se Trump perguntar a seus partidários se eles acreditarão nele ou em seus olhos mentirosos, eles escolherão ele? Ou será que estamos lidando com o trabalho de alguns agentes mal-intencionados que dedicaram um esforço considerável para provocar esse estado de coisas?

Se a resposta for que mais da metade do eleitorado quer ser mal-informado, os Estados Unidos - e, de fato, a civilização humana - estão em sérios apuros. Isso implicaria que o que dezenas de milhões de americanos querem de fato é um sinal verde para odiar seus concidadãos. Mas se estivermos enfrentando o trabalho de maus atores cínicos, isso pelo menos nos dá alguma esperança para o futuro. Isso significaria que a maior parte dos apoiadores de Trump são pessoas de bom coração e bem-intencionadas que se preocupam com o fato de o país estar indo na direção errada, mesmo que eles próprios estejam bem. Eles votaram em Trump mais por amor do que por ódio.

Nesse caso, a tarefa dos americanos que desejam uma política mais saudável e uma sociedade melhor é clara. Infelizmente para os democratas, porém, essa é uma tarefa que deve ser realizada pelos republicanos. Em nosso ecossistema de informações quebrado, nada do que os democratas disserem será acreditado por aqueles que precisam ouvir. Republicanos patriotas e bem-intencionados precisam olhar para si mesmos e adotar o projeto que o Visconde Sherbrooke articulou após a extensão da franquia na Grã-Bretanha em 1867: Nós - ou melhor, vocês - tem(os) de educar nossos mestres.

Tradução por Fabrício Calado Moreira

https://prosyn.org/JKHPIfqpt