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A ladainha pró-crescimento da China

CLAREMONT (CALIFÓRNIA) – O governo chinês parece ter retomado o romance com o crescimento econômico. À medida que se desenrola a saída caótica de sua política de covid zero – que levou a dezenas de milhares de mortes (no mínimo) -, lideranças do país têm se mostrado dispostas a professar sua eterna devoção à retomada econômica robusta. Contudo, só papo não vai levar a China a lugar algum.

A Conferência Central de Trabalho Econômico do mês passado – o encontro anual em que as maiores lideranças do Partido Comunista Chinês estabelecem a agenda de políticas econômicas para o ano seguinte – definiu crescimento como a principal prioridade econômica do governo em 2023. Nas semanas seguintes, o público testemunhou um espetáculo que não se via há anos, à medida que governadores de províncias se desdobraram para ecoar o compromisso do PCC com o crescimento e para tranquilizar investidores privados e empreendedores inquietos.

A motivação política para essa mudança é óbvia: o PCC espera restaurar o apoio do público, após a frustração popular com as restrições draconianas de covid zero darem lugar à insatisfação com a saída atabalhoada dessa política. Mas isso terá pouco significado se o governo não traduzir sua retórica pró-crescimento em ação.

Em certa medida, ele já vem fazendo isso. Desde aliviar restrições de empréstimos a incorporadores imobiliários de “alta qualidade” até apoiar a demanda por moradia, as medidas que visam dar vida nova a um setor imobiliário em apuros estão no topo da lista do governo.

Só que tais esforços estão longe de ser o suficiente. Por mais importante que o setor imobiliário seja para o PIB da China, uma retomada (modesta) desse segmento por si só não consegue puxar uma recuperação econômica significativa, que dirá uma volta ao crescimento acelerado. Do mesmo modo, as outras medidas de incentivo de curto prazo tomadas pelo governo – como expansão fiscal e monetária, incluindo investimentos em infraestrutura –  dificilmente trarão algo além de um impulso temporário.

As restrições de covid zero deixaram cicatrizes profundas na economia chinesa. Antes da pandemia, o país se orgulhava de ter 44 milhões de micro e pequenas empresas, que respondiam por cerca de 98% de todas as empresas registradas e cerca de 80% dos empregos fora do setor público. Mais de 90 milhões de indivíduos eram autônomos.

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Mas a covid zero mudou tudo isso. Como os lockdowns não foram acompanhados de assistência financeira direta para micro e pequenas empresas, muitas foram forçadas a fechar, o que colocou um entrave sério ao crescimento.

Pressões geopolíticas - para não falar na guerra tecnológica com os Estados Unidos – estão agravando os obstáculos ao crescimento chinês. A América está mais comprometida do que nunca em restringir o acesso da China a semicondutores, e têm aplicado pressão diplomática na Holanda para impedir a empresa holandesa ASML de vender uma gama maior de máquinas de produção de chips para a China. Fora que a possibilidade de novas sanções americanas à China não pode ser descartada, especialmente agora que o Partido Republicano controla a Câmara dos Deputados dos EUA.

Enquanto isso, o apoio implícito da China à guerra da Rússia contra a Ucrânia vem dificultando as relações do país asiático com seu segundo maior parceiro comercial, a União Europeia. Hoje na Europa, há quem esteja seguindo o exemplo americano e defendendo um “divórcio” econômico. Várias empresas europeias já estão buscando diversificar suas cadeias produtivas de abastecimento – inclusive terceirizando insumos alternativos e realocando parte da produção – para diminuir sua dependência da China.

À medida que as tensões geopolíticas persistirem, o clima para negócios continuará incerto, desencorajando investimento e diminuindo o emprego no setor industrial à medida que empresas estrangeiras saem do mercado. Encontrar jeitos de melhorar as relações com o Ocidente é, portanto, um prerrequisito para a retomada econômica.

Sem dúvida, a relação sinoamericana provavelmente está além de qualquer reparo a essa altura. Ainda assim, a China conseguiria melhorar a atmosfera diplomática limitando seu apoio ao presidente russo, Vladimir Putin, além de diminuir suas provocações a Taiwan, acalmando assim os temores de investidores de uma invasão chinesa ou bloqueio naval da ilha.

Ao mesmo tempo, a China precisa lançar um programa confiável de reformas. Sob a liderança do presidente Xi Jinping, o governo chinês tem abraçado a ideologia comunista ortodoxa e buscado ampliar o domínio do partido sobre a sociedade e a economia. Essa abordagem – exemplificada por um controle social maior e o estabelecimento de células do PCC em empresas privadas, além das provocações contra os parceiros comerciais mais importantes da China – está danificando gravemente a confiança das empresas.

Se o PCC for sério quanto ao crescimento, precisa reassumir o compromisso com as reformas políticas mais importantes de Deng Xaioping, como meritocracia, aposentadoria obrigatória e limites de permanência no cargo. Ampliar a independência do sistema jurídico é particularmente urgente, para garantir aos empreendedores privados que sua segurança e propriedade particulares serão protegidas.

Em termos de política econômica, a China precisa privatizar as estatais ineficazes e criar um ambiente regulatório mais amigável às empresas. Medidas que foquem em apoiar pequenas empresas também são essenciais para uma retomada econômica duradoura.

Apesar de todo o papo sobre crescimento, o governo chinês não revelou nenhum plano desse tipo. E nada na retórica oficial do governo indica que uma mudança fundamental de direção – como foi o rompimento decisivo de Deng com a “luta de classe” maoísta em 1979 – esteja nos planos. Portanto, não caiam nessa: a economia chinesa ainda pode estar na fase de só gastar saliva.

Tradução por Fabrício Calado da Silva Moreira

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