spence173_ Joe RaedleGetty Images_power Joe Raedle/Getty Images

Momento Crítico para o Setor Energético

MILÃO – Muitos de nós consideramos a eletricidade como algo natural. Acionamos um interruptor e esperamos que a luz se acenda. Mas a capacidade e a resiliência dos sistemas energéticos – geração, transmissão e distribuição – não estão garantidas e, se estes sistemas falharem, toda a economia se apagará.

Recentemente participei de uma reunião da Power and Energy Society – PES (Sociedade de Força e Energia), que funciona sob a égide do Instituto de Engenheiros Elétricos e Eletrônicos. O clima no evento  – com a participação de mais de 13.000 profissionais da indústria de todo o mundo, além de centenas de empresas expondo avançados equipamentos e sistemas– foi otimista e cheio de energia.

Mas, apesar do prevalecente “espírito de poder fazer”, todos naquela reunião sabiam que o setor da energia enfrenta enormes desafios, começando pela crescente frequência de extremos fenômenos meteorológicos. As empresas estão agora trabalhando para conceber formas inovadoras de restaurar a energia mais rapidamente após cortes da mesma e estão investindo em infraestruturas que aumentarão a resiliência aos choques. Isso inclui esforços para minimizar o risco de o próprio sistema causar ou agravar um choque, como um incêndio florestal.

Para agravar o desafio, o setor da energia precisa avançar para a transição verde. Isso significa reduzir emissões de gases de efeito estufa, mantendo ao mesmo tempo um fornecimento de energia estável para a economia. Uma vez que as energias renováveis ​​funcionam de forma diferente dos combustíveis fósseis, isso implica uma transformação não só da produção de energia, mas também da transmissão e distribuição, incluindo armazenamento.

Entretanto, a demanda por eletricidade deverá aumentar, devido a fatores como a adoção de veículos elétricos e o rápido crescimento dos centros de dados e dos sistemas de computação em nuvem. As necessidades energéticas dos sistemas de inteligência artificial, em particular, deverão crescer exponencialmente nos próximos anos. De acordo com uma estimativa, o setor da IA ​​consumirá 85-135 terawatts-hora por ano – quase o mesmo que os Países Baixos – até 2027.

Para enfrentar esses desafios, todos os três componentes do sistema energético precisam ser integrados nas chamadas redes inteligentes, que são geridas por sistemas digitais e, cada vez mais, por IA. Mas desenvolver redes inteligentes não é tarefa fácil. Por um lado, requerem uma série de dispositivos e sistemas, como contadores residenciais inteligentes e sistemas de gestão de recursos energéticos distribuídos (DERMS), que são necessários para gerir múltiplas fontes flexíveis de energia e flutuantes e integrá-las às redes de energia. E, como assentam em bases  digitais, sistemas eficazes de segurança cibernética são essenciais para sustentar a estabilidade e a resiliência.

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Nada disso sairá barato. A Agência Internacional de Energia  estima que, se a economia mundial quiser atingir emissões net-zero até 2050, o investimento anual em redes inteligentes precisará ser duplicado – de US$300 bilhões para US $600 bilhões – em nível global até 2030. Isso representa uma parte significativa do valor estimado de US$4-6 trilhões que serão necessários anualmente para financiar a transição energética global. Mas, até agora, o investimento necessário não foi concretizado. Mesmo nas economias avançadas, a lacuna de financiamento das redes inteligentes ultrapassa os US$100 bilhões.

Enfrentar todos esses desafios exigirá uma ação coordenada em sistemas que muitas vezes são altamente complexos. Os Estados Unidos são um exemplo disso. As cerca de 3.000 empresas de eletricidade dos EUA operam em diversas combinações de produção, transmissão e distribuição, desempenhando também um papel de criação de mercado como intermediários entre a produção e a distribuição. Cada estado dos EUA tem seus próprios reguladores e a distribuição local pode ser regulamentada em nível municipal. A infraestrutura nuclear dos EUA é gerenciada em nível federal, pelo Departamento de Energia, que também financia a pesquisa e, sob a Lei de Redução da Inflação de 2022, financia o investimento no setor energético. E a Agência de Proteção Ambiental dos EUA desempenha importante papel na definição da direção e no ritmo da transição energética.

Outras entidades supervisionam as três principais regiões da rede do país e as interligações entre elas. Por exemplo, a North American Electric Reliability Corporation, sem fins lucrativos, é responsável por seis entidades regionais que, em conjunto, cobrem todos os sistemas de energia  interligados e contíguos do Canadá e dos EUA, bem como uma parte do México.

Chegar à necessária transformação dos sistemas de energia exigirá que descubramos como financiar os investimentos relevantes, quem acabará por pagar por eles e como um sistema de rede inteligente complexo, tecnologicamente sofisticado e em rápida evolução poderá ser coordenado.

É difícil imaginar como o investimento poderia ser mobilizado na escala necessária sem o poder de financiamento dos governos nacionais. Isso é especialmente verdade nos EUA, onde não existe um preço compartilhado do carbono para nivelar as condições de concorrência. É, portanto, uma boa notícia que, no mês passado, a administração do Presidente Joe Biden tenha anunciado uma série de iniciativas e investimentos destinados a apoiar e acelerar a mudança estrutural no setor energético.

Quanto a quem deve pagar, a resposta é complicada. Em princípio, os investimentos que reduzam custos ou aumentem a qualidade e a estabilidade do serviço precisam ser refletidos nas tarifas. O problema é que os investimentos que melhoram a qualidade do serviço também precisam ser distribuídos por múltiplas entidades que possuem diferentes ativos na rede. Estruturas regulatórias altamente descentralizadas tornariam, na melhor das hipóteses, difícil a coordenação de todas essas alterações tarifárias e transferências.

Quando se trata de investimentos que promovam a transição para a energia verde – incluindo o bem público global da redução de emissões – sabemos quem não deveria pagar: as comunidades locais. Na verdade, a implementação de encargos em nível local para financiar esses investimentos inevitavelmente conduzirá a ineficiências e a subinvestimento. Também seria injusto: não há nenhuma boa razão para que os consumidores em áreas com sistemas herdados deveriam pagar mais. Se isso lhes for solicitado, é provável que resistam.

Uma abordagem melhor seria utilizar uma política industrial federal ampliada, não apenas para ajudar a financiar para e especialmente para coordenar investimentos de longo prazo no setor energético, como também para orientar o desenvolvimento de um sistema de rede inteligente  complexo e interligado. Este sistema necessita de um banqueiro e de um arquiteto que trabalhem com empresas, reguladores, investidores, pesquisadores e organizações industriais como o SPE para levar a cabo uma justa, eficiente e complexa transformação estrutural. Os governos locais precisam estar envolvidos no desempenho dessas duas funções.

Tradução de Anna Maria Dalle Luche, Brazil

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