posner35_Greg Nash-PoolGetty Images_hawley Greg Nash/Pool/Getty Images

Um partido republicano pró-trabalho é possível?

CHICAGO - Após o discurso de Sean O'Brien, presidente do sindicato Teamsters, na Convenção Nacional Republicana no mês passado, uma análise do New York Times avaliou se o partido poderia mesmo levar adiante uma agenda populista em apoio aos trabalhadores. Embora Donald Trump nunca tenha demonstrado muito interesse nos direitos dos trabalhadores, muitos de seus acólitos o fizeram. Os senadores republicanos Josh Hawley, Roger Marshall, Marco Rubio e J.D. Vance (o candidato a vice-presidente do partido) estiveram ao lado dos trabalhadores em debates políticos sobre organização trabalhista, salário mínimo e proteção ao trabalhador.

Hawley, por exemplo, declarou recentemente que “está na hora de os republicanos abraçarem os sindicatos do trabalhador... Estive na linha de frente com os Teamsters. Votei para ajudá-los a sindicalizar a Amazon. Apoiei a greve dos ferroviários e a greve dos trabalhadores da indústria automobilística. E tenho orgulho disso”.

Hawley juntou seu elogio ao trabalho com um elogio ao nacionalismo cristão que incomodará muitos defensores dos trabalhadores, que tendem a ser liberais. Ele estava se baseando numa longa tradição republicana de atrair trabalhadores apelando para seus compromissos morais e religiosos. Mas seu apoio à organização trabalhista e a outras proteções aos trabalhadores - incluindo o salário mínimo e uma maior fiscalização antitruste - de fato representa uma mudança fundamental em relação ao Partido Republicano do século passado.

Essa estratégia parece preencher uma caixa vazia na matriz da política americana. Os eleitores podem ser classificados em duas dimensões: socialmente conservadores versus liberais/progressistas; e pró-mercado versus céticos em relação ao mercado. Embora existam liberais pró-mercado (como muitos empreendedores do Vale do Silício) e liberais anti-mercado (como os democratas do New Deal), os conservadores sociais permaneceram durante muito tempo na coalizão republicana ao lado dos defensores do livre mercado que celebram o acúmulo de riqueza e, às vezes, o hedonismo e a ganância. No entanto, esses valores não estão em sintonia com o cristianismo, que ensina seus seguidores a rejeitar a vaidade e os valores materialistas. (Além disso, o catolicismo tem uma longa tradição de exaltar os pobres e desconfiar do comércio).

Ao defender o nacionalismo cristão, Hawley busca aliar o conservadorismo social ao ceticismo em relação ao mercado. É possível perceber a lógica política. Antes da década de 1990, o próprio Partido Democrata era liberal em questões sociais e cético em relação aos mercados. Mas, pelo menos desde o governo do presidente Bill Clinton, ele fez as pazes com as grandes empresas. Clinton aceitou a filosofia pró-mercado que Ronald Reagan tornara respeitável, assim como Barack Obama. A maioria de seus indicados para cargos de política econômica era cética em relação à regulamentação.

Essa adoção bipartidária dos mercados veio a definir uma era em que os salários dos trabalhadores estagnaram enquanto os titãs corporativos enriqueceram. À medida que alguns libertários se aproximavam do Partido Democrata (agora que ele havia adotado os mercados livres), republicanos como Hawley reconheceram que conseguiriam obter votos da classe trabalhadora repudiando os ricos que haviam desertado para o outro lado, trocando o dinheiro de poucos pelos votos de muitos.

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Quando Hawley condena as “corporações progressistas”, ele está aproveitando a crescente aversão dos republicanos comuns às elites endinheiradas. Muitos políticos republicanos reclamam que as empresas violaram seu toma-lá-dá-cá implícito: as empresas estariam livres para ganhar dinheiro desde que se submetessem à ala religiosa do partido em questões morais e religiosas. Mas essa aliança antinatural poderia durar pouco tempo pois, para maximizar os lucros, muitas empresas seguiram os clientes e investidores à medida que a cultura mais ampla se deslocou para a esquerda.

Uma reconciliação entre o republicanismo e os interesses dos trabalhadores também é concebível por motivos filosóficos. Durante a era Reagan, os economistas presumiram que os mercados de trabalho são inerentemente competitivos, o que implica que os sindicatos devem ser cartéis que aumentam os salários acima da taxa competitiva, reduzindo a produção e prejudicando os consumidores. Da mesma forma, as leis de salário mínimo necessariamente levariam a um desemprego maior. Como os economistas defendiam a desregulamentação do mercado de trabalho, as empresas transformaram a teoria em ortodoxia e os republicanos (e, por fim, os democratas) disputaram o apoio das empresas prometendo transformar a nova ortodoxia em política.

Na prática, porém, a desregulamentação - juntamente com outras forças, como a globalização e os avanços tecnológicos que favoreceram as economias de escala - beneficiou as grandes empresas. Em pouco tempo, algumas poucas empresas dominaram uma ampla gama de mercados, o que teve duas implicações importantes. Primeiro, isso significava que as empresas eram menos inovadoras e produtivas do que seriam em mercados competitivos. Em segundo lugar, os excedentes gerados pela atividade econômica foram acumulados mais para os investidores e menos para os consumidores e trabalhadores. Com o enfraquecimento do crescimento econômico, a desigualdade aumentou, exemplificada pelo aumento maciço da diferença entre a remuneração dos trabalhadores e a dos executivos.

Uma enxurrada de pesquisas nos últimos anos mostrou que os mercados de trabalho não são tão competitivos, no fim das contas. Os trabalhadores não conseguem mudar de emprego sem problemas, pois enfrentam uma série de obstáculos, como altos custos de busca e a ausência de empregadores concorrentes que estejam contratando. E como os trabalhadores não podem mudar de emprego com facilidade, os empregadores ganham com salários mais baixos e menos vagas. Nesse mundo, os sindicatos não necessariamente reduzem a produtividade (além disso, as evidências desse efeito sempre foram muito escassas); as leis de salário mínimo podem aumentar os salários sem reduzir o emprego (como muitos estudos mostram); e a aplicação de leis antitruste pode restaurar a concorrência nos mercados de trabalho, levando a salários e produtividade mais altos.

Hawley quer forçar os republicanos tradicionais pró-mercado a fazer uma escolha. Eles devem aceitar que a economia de livre mercado fracassou e endossar a intervenção do governo para ajudar os trabalhadores, ou devem se reconhecer como fantoches corporativos que defendem os interesses das empresas em detrimento dos trabalhadores para manter o fluxo de doações da classe proprietária de capital para o partido. A visão de Hawley de uma sociedade cristã com restrições legais sobre os excessos do capitalismo dificilmente poderia ser mais diferente da do capitalismo trumpista, que é desenfreado em vez de contido.

Nesse aspecto, Trump é um republicano nos moldes clássicos. Suas indicações para o Conselho Nacional de Relações Trabalhistas, para o Departamento do Trabalho e para a Suprema Corte foram todas do lado das corporações em todas as questões importantes, e sua principal conquista política como presidente foi um corte de impostos corporativos. Os bilionários do Vale do Silício e de Wall Street que se reúnem em torno de seu padrão apostam que ele apoiará a eles, e não aos trabalhadores. Ao contrário dos ideólogos do MAGA, Trump é um nacionalista e um plutocrata, não um populista, muito menos um conservador religioso. Se e como Hawley encontrará apoio para sua visão num país secularizado e louco por dinheiro é a pergunta do milhão.

Tradução por Fabrício Calado Moreira

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