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Os governos têm de cumprir as suas promessas referentes à biodiversidade

MONRÓVIA – O meu trabalho permite-me viajar para todo o lado, atravessando oceanos e vastas extensões de terra, e tenho tido a sorte de ver em primeira mão alguns dos mais ricos pontos cruciais de biodiversidade da Terra. Mas, no fim das contas, volto sempre para casa – para a Libéria, para África, que oferece a mais extraordinária paisagem natural e vida selvagem. O continente africano é, sem dúvida, a potência do planeta em matéria de biodiversidade.

Escrever sobre o capital natural de África não lhe faz justiça. Como é que se pode descrever um quarto da biodiversidade mundialincluindo pelo menos 50 mil espécies de plantas, cerca de 1000 mamíferos diferentes, 2500 tipos de aves e até 5500 variedades de peixes de água doce – em poucas palavras? O mesmo se aplica à Libéria: o meu país alberga grandes extensões das florestas da Alta Guiné, que é uma das regiões mais importantes do mundo em termos de diversidade de animais mamíferos. Isso inclui centenas de milhares de hectares de zonas húmidas de água doce e mais de seis milhões de hectares de florestas, que são vitais para a sobrevivência da fauna e da flora ameaçadas de extinção, bem como para o bem-estar das comunidades locais.

Dada a sua abundância de capital natural, as perdas que o continente sofre com o colapso da biodiversidade são desproporcionais. Quando a atividade humana empurra as espécies animais e vegetais para a extinção e desequilibra os ecossistemas, coloca também em risco importantes recursos naturais valiosos: os diversos biomas de África desempenham um papel crucial na inovação farmacêutica mundial, no ecoturismo e na polinização de culturas.

Além disso, apesar de contribuir apenas com 3% das emissões globais de gases com efeito de estufa, África sofre de forma desproporcionada os efeitos de um planeta em aquecimento, com perdas de até 15 mil milhões de dólares por ano devido às alterações climáticas. A perda de biodiversidade agrava o problema ao ameaçar as florestas tropicais do continente, um importante sumidouro de carbono. E, tendo em conta a dependência das economias africanas dos recursos naturais e dos serviços ecossistémicos, também impede o crescimento e o desenvolvimento.

É por isso que África tem estado na vanguarda dos esforços de conservação da biodiversidade e da ação climática em geral. O continente está a chamar cada vez mais a atenção para a questão e a liderar as negociações, mais recentemente na Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade (COP15), realizada em dezembro, em Montreal. Vários Estados africanos, incluindo a Libéria, também atribuíram a responsabilidade dos compromissos assumidos nestas cimeiras internacionais aos países desenvolvidos.

As conversações na COP15 acabaram por ter sucesso, culminando na adoção do histórico Quadro Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal. Um dos muitos objetivos ambiciosos deste acordo é proteger 30% da terra e dos oceanos do mundo até 2030. Também conhecido como “30x30”, é uma proposta que muita gente na Libéria – inclusive eu, como membro do Comité de Direção Global da Campanha pela Natureza – há muito defende. Os governos também se comprometeram a aumentar o financiamento anual para a conservação da biodiversidade que os países desenvolvidos fornecem aos países em desenvolvimento para, pelo menos, 20 mil milhões de dólares até 2025 e, pelo menos, 30 mil milhões de dólares até 2030.

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Seis meses após este acordo histórico, temos de manter a dinâmica e fazer com que estas promessas passem da teoria para a prática. Uma vez que o impressionante declínio da natureza e da vida selvagem continua inabalável, agora não é altura de vacilar. O tema do Dia Internacional da Diversidade Biológica deste ano (celebrado todos os anos a 22 de maio) - “Do Acordo à Ação: Reconstruir a Biodiversidade” - é um lembrete oportuno e poderoso da necessidade urgente de agir rapidamente sobre os compromissos assumidos na COP15 e de mudar o nosso foco e energia, passando da imaginação para a implementação. A recente Cimeira do G7 em Hiroshima, onde os líderes mundiais reafirmaram o seu compromisso com o quadro de Kunming-Montreal, foi um passo bem-vindo na direção certa.

Mas os governos têm de cumprir as suas promessas de mobilização de financiamento público se quisermos atingir o objetivo “30x30” de travar e inverter a perda de biodiversidade. O financiamento constituirá uma tábua de salvação para os ecossistemas e espécies vegetais e animais do mundo, bem como para algumas das populações mais vulneráveis – em particular os povos indígenas e as comunidades rurais – cuja subsistência depende do seu capital natural local.

A comunidade mundial tem um historial de faltar à sua palavra e de alterar os objetivos acertados em anteriores acordos sobre o clima e a biodiversidade. Mas a promessa de aumentar o financiamento internacional para os países em desenvolvimento tem de ser cumprida. À medida que o aquecimento global se intensifica, não podemos continuar a tolerar as repercussões de outro acordo como o que foi alcançado na cimeira da ONU sobre o clima de 2009, que acabou por ser, sobretudo, conversa fiada.

Os líderes mundiais têm a oportunidade de estar do lado certo da história. Mas qualquer atraso no cumprimento dos objetivos estabelecidos na COP15 prejudicará este acordo histórico. Os recursos existem. Depois de mobilizarem rapidamente biliões de dólares em resposta à pandemia de COVID-19, os países desenvolvidos deveriam conseguir avançar com a mesma rapidez para financiar os esforços de conservação da biodiversidade. Os seus investimentos produziriam dividendos significativos nos países em desenvolvimento, desde o apoio a milhões de empregos e a geração de milhares de milhões de dólares em PIB, até à redução significativa das emissões de gases com efeito de estufa.

Chegou o momento de os decisores a todos os níveis nos países desenvolvidos cumprirem a sua parte do acordo. Não desperdicemos esta última oportunidade de preservar a riqueza natural do planeta. Se conseguirmos fazer isto bem, África – e o mundo – ficarão melhor.

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