Deforestation in Brazil Carl De Souza/Getty Images

A Terra precisa de uma bioeconomia amazônica

RIO DE JANEIRO – As alterações climáticas e a perda de biodiversidade estão levando os ecossistemas vitais do mundo à beira do colapso, com os cientistas alertando que seis dos nove principais limites planetários já foram violados. Proteger e conservar as florestas tropicais é crucial, mas para isso precisamos de investimento no arcabouço regulatório e em novos modelos econômicos que combinem significativas reduções de emissões com alternativas viáveis ​​ao desmatamento da floresta. Em nenhum lugar esse desafio é mais premente do que na Amazônia.

Abrangendo mais de oito milhões de quilômetros quadrados (3,1 milhões de milhas quadradas), a Amazônia abriga a maior floresta tropical do mundo. É também a linha de frente dos crimes ambientais, incluindo a grilagem de terras e a mineração ilegal de ouro, bem como das indústrias extrativas, como a exploração madeireira, a pecuária e a produção de soja. Devido a essas atividades, grandes áreas da região estão se aproximando de um irreversível  ponto crucial que poderá transformar a floresta tropical em savana. Apesar das recentes reduções no desmatamento florestal, o desmatamento e a grave degradação da terra já afetaram 26% da região, colocando mais de 10.000 espécies de plantas e animais em risco de extinção.

Se persistirem o desflorestamento ilegal e o modelo de desenvolvimento extrativista, alerta o World Resources Institute, as emissões de carbono da região em 2050 serão cinco vezes  superiores ao limite estabelecido pelo acordo climático de Paris. Impressionantes 57 milhões de hectares de floresta – uma área do tamanho de França – poderão ser destruídos, com terríveis  consequências para o clima, a biodiversidade, as correntes oceânicas e o abastecimento alimentar global.

Uma forma segura de abrandar e reverter todas as formas de desflorestamento e degradação dos solos é aumentar o valor econômico das florestas em pé. Precisamos de maior segurança e incentivos de mercado – a capacidade de lucrar com a proteção da natureza – para promover a descarbonização e a conservação. Para esse fim, um modelo especialmente promissor é a “bioeconomia”, que compreende agricultura, pecuária e pesca regenerativas; cultivo sustentável de madeira e não-madeira; produção de energia verde e renovável; biomateriais sustentáveis ​​(incluindo pesticidas, fertilizantes, cosméticos e produtos farmacêuticos); ecoturismo e serviços correlatos; moda e têxteis sustentáveis; e serviços baseados na captura de carbono e na conservação biológica e ambiental.

O entusiasmo pela bioeconomia está crescendo, especialmente na Bacia Amazônica. Uma Conferência Pan-Amazônica sobre Bioeconomia em Belém, Brasil, em junho passado reuniu centenas de especialistas de mais de 100 organizações de toda a região. Isso não é apenas ambientalismo do “bem-estar”; os potenciais retornos econômicos são consideráveis. Segundo algumas estimativas, a implementação plena de uma abordagem de bioeconomia permitiria ao Brasil reduziras emissões de dióxido de carbono em 550 milhões de toneladas e gerar US$ 284 bilhões por ano até 2050.

Contudo, à exceção de algumas empresas mais esclarecidas, ainda há resistência por parte dos setores extrativos, que veem poucos ganhos com essa mudança. A estrutura institucional da bioeconomia amazônica está apenas sendo erguida. Sua expansão exigirá pesquisa e desenvolvimento sustentados e de alta qualidade, infraestruturas e capital amplamente disponíveis e novas e resilientes cadeias de abastecimento. As salvaguardas para proteger a  propriedade intelectual dos bioprodutos e dos recursos genéticos são essenciais, assim como as estratégias para o respeitoso compartilhamento de conhecimentos com as comunidades indígenas.

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Uma tarefa urgente é esclarecer o que o modelo de bioeconomia envolve e o que não envolve. Na situação atual, os oito países que compartilham a floresta tropical têm interpretações concorrentes, e as definições aplicadas na Amazônia são muitas vezes distintas daquelas promulgadas por governos, empresas e ONGs na América do Norte e na Europa Ocidental. Determinar o que está incluído na bioeconomia é fundamentalmente importante, porque moldará a base de um futuro verde. É por isso que nós do Instituto Igarapé estamos fazendo parceria com o programa Amazônia Forever do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para expandir a bioeconomia de uma forma que respeite a diversidade regional.

O programa Amazônia Forever do BID está liderando a promoção e a aceleração de oportunidades de bioeconomia por meio de apoio financeiro e assistência técnica a startups locais, bioempresas e produtores e coletores em todos os níveis da cadeia de valor. Uma vez que a promoção de sinergias entre pesquisadores, empresários, investidores, produtores e comunidades em áreas remotas apresenta enormes obstáculos logísticos, o BID e outros estão se concentrando nos produtos de elevado valor agregado necessários para o sucesso da bioeconomia.

A expansão desse modelo requer ligações mais fortes entre acadêmicos e pesquisadores em bioeconomia, razão pela qual mapeamos vários grupos de comunidades de pesquisa que trabalham em questões relacionadas em toda a região. Alguns dos mais avançados parecem estar no Brasil e na Colômbia, onde geralmente se encontram políticas e programas de bioeconomia robustos e bem direcionados. Ambos os países têm setores produtivos em rápida evolução que buscam prioridades científicas e tecnológicas, ao mesmo tempo que aproveitam as valiosas experiências e contribuições das comunidades tradicionais.

No Equador e no Peru , as políticas de bioeconomia estão menos avançadas, apesar de muitos esforços liderados pelos governos para promover o “bio-negócio” e a “bioinovação” em determinados setores. O Equador está em processo de desenvolvimento de uma política nacional de bioeconomia. Em contrapartida, a Bolívia e a Venezuela têm resistido à utilização do termo “bioeconomia” (em favor da “utilização sustentável da biodiversidade”) e continuam mais focadas em iniciativas de menor escala para abordar a segurança alimentar e específicos fatores de produção como os biofertilizantes. Finalmente, na Guiana e no  Suriname, incipientes estratégias de baixo carbono e de economia verde enfrentam um poderoso e entrincheirado lobby dos combustíveis fósseis.

Apesar das concorrentes definições, existem alguns princípios compartilhados. É geralmente aceito que a bioeconomia inclui atividades que utilizam recursos biológicos e normalmente envolvem inovação científica e tecnológica, bem como informações e conhecimentos provenientes do conhecimento ancestral e tradicional. A promoção do valor agregado através da eficiência do processamento e da cadeia de abastecimento é fundamental, tal como os serviços ambientais e a substituição de produtos baseados em combustíveis fósseis por alternativas sustentáveis.

Compreender como essas abordagens bioeconômicas convergem e divergem é fundamental para o desenvolvimento de políticas coerentes e estratégias sustentáveis de investimento. Enquanto as assimetrias conceituais entre as definições locais e as diretrizes globais não forem reconhecidas, os potenciais beneficiários poderão perder oportunidades de financiamento. Em última análise, o impacto ambiental e social dos investimentos relacionados com a bioeconomia dependerá da medida em que eles genuinamente abordem as necessidades, prioridades e capacidades específicas de um país. Se as iniciativas de bioeconomia quiserem ser ampliadas, precisarão de capital paciente e da adesão de uma ampla gama de partes interessadas, tanto em nível regional como global.

A mudança de modelos extrativistas de produção para modelos ecológicos de produção não  é apenas um imperativo estratégico nacional. É uma questão de sobrevivência humana. A bioeconomia tem um vasto potencial, mas enfrenta uma forte concorrência da criminalidade ambiental e das indústrias que se perpetuam. Ao aproveitar de forma sustentável a rica biodiversidade da Amazónia e promover o arcabouço regulatório, podemos construir um futuro próspero e sustentável para a floresta e seus habitantes, ao mesmo tempo que fazemos grandes contribuições para a descarbonização. O primeiro passo é conscientizarmo-nos sobre os dividendos econômicos que a natureza é capaz de pagar.

Tradução de Anna Maria Dalle Luche, Brazil

https://prosyn.org/HBkXVZppt