davies89_Liu JieXinhua via Getty Images_michaelbarr Liu Jie/Xinhua via Getty Images

Serão possíveis as regras de capital global?

LONDRES – O que é um nome? As propostas finais para as regras de capital bancário foram apelidadas de Basileia 3.1, sugerindo que um pequeno exercício de organização – apenas algumas notas graciosas acrescentadas a uma melodia composta há muito tempo. Mas os bancos, preocupados com a possibilidade de implicações mais graves, falaram de Basileia 4, para dizer que não são notas graciosas, mas uma reformulação de toda a composição, agora numa tonalidade mais alta.

Esse nome não pegou. Os reguladores insistiram que não era uma música nova e que qualquer um que pudesse cantar Basileia 3 não teria problemas em aprender Basileia 3.1. Mas então, algum anônimo praticante das obscuras artes políticas americanas surgiu com o termo Fim de Jogo Basiléia, que parece sugerir que alguém está prestes a morrer. No lado oriental do Atlântico, o termo lembra a peça de Samuel Beckett, Fim de Jogo, sobre a angústia existencial, a futilidade e a falta de sentido da vida humana. Os não banqueiros poderão achar que esta é uma boa descrição do debate sobre a dimensão adequada das reservas dos grandes bancos, que já dura há muitos anos.

Alguns países, como Singapura e Austrália, pararam de discutir e simplesmente seguiram em frente. Na União Europeia e no Reino Unido, os detalhes estão quase finalizados. Mas nos Estados Unidos, o fim do jogo não está nem perto do fim – o que poderá estar ainda mais distante do que nunca, na recente sequência da intervenção do presidente do Federal Reserve dos EUA, Jerome Powell.

Permitam-me contar a versão curta dessa complicada história. Tudo começou no verão passado, quando o Vice-Presidente de Supervisão do Fed, Michael Barr, apresentou algumas propostas relativamente duras apelando por consideráveis aumentos ​​de capital. Os bancos dos EUA montaram uma robusta contraofensiva, e agora Powell disse que deve haver “amplas mudanças materiais” nas propostas que foram apoiadas pela maioria dos membros do Conselho do Federal Reserve no ano passado.

Os méritos do argumento por trás disso foram quase afundados pela política. Será que alguns bancos têm razão quando argumentam que as propostas do Fed os colocarão em desvantagem competitiva em nível internacional? Comparar propostas entre países é muito difícil. Os planos de Barr, sem dúvida influenciados pela onda de embaraçosas falências bancárias dos EUA no ano passado, previam um maior aumento de capital do que o planejado na UE, mas partindo de uma base mais baixa. O Reino Unido, como sempre, está em algum lugar no meio.

Todas essas diferentes propostas estão em conformidade com o acordo original da Basileia? O Comité da Basileia responderá ele mesmo a essa questão no devido tempo, mas atualmente parece que o Reino Unido irá cumprir mais ou menos, enquanto a UE não o fará. Segundo as propostas de Barr, o regime dos EUA teria provavelmente sido complacente e do lado mais duro. Agora, ninguém sabe realmente onde irá aterrissar.

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O que sabemos é que as disposições constitucionais que regem a definição de padrões de capital para os bancos são incrivelmente divergentes nas três principais jurisdições ocidentais. Na UE, a Comissão Europeia, um órgão político, detém a caneta, porque a estabilidade do mercado único exige que não haja divergências significativas de um lugar para outro. Se existisse, todos os bancos estariam sediados no país com o regime mais fraco e daí conduziriam todos os seus negócios europeus.

Assim, os acordos da Basileia da UE são implementados através de diretivas ou regulamentos que têm força de lei em todo o bloco. Dadas as circunstâncias, não é surpreendente que o resultado seja um acordo que possa prejudicar ligeiramente o acordo original da Basileia. Os políticos, como sempre, responderam aos apelos especiais. O chamado compromisso dinamarquês, por exemplo, inclui uma concessão para os bancos proprietários de companhias de seguros. É um segredo aberto que se o Banco Central Europeu estivesse totalmente no comando, a UE estaria em conformidade com a Basileia, como o Reino Unido planeja estar.

Desde o Brexit, o regulador do Reino Unido está sozinho no comando. O governo delegou o poder de estabelecer regras de capital ao Banco da Inglaterra e, embora por vezes pareça que os ministros se arrependam de ter feito isso, duvido que o regime mude nesse momento.

À primeira vista, o regime dos EUA pode se parecer com o do Reino Unido, uma vez que o Fed está no comando. Mas o conselho de administração do Fed, ao contrário do conselho de administração do BOE, é politicamente equilibrado, com uma maioria que reflete o partido no poder. É por isso que Barr foi capaz de propor o seu robusto pacote de regras em primeiro lugar. Mas agora, argumenta Peter Conti-Brown, da Brookings Institution, Powell está tentando proteger o Fed, e não o sistema financeiro, face às fortes críticas públicas. Ele “parece valorizar tanto a independência do Fed para a política monetária que quer evitar brigas políticas sobre política regulatória”.

Esse argumento lembra a visão de longa data do Bundesbank alemão de que um banco central independente não deveria entrar no negócio sujo da supervisão bancária. Gordon Brown, como Chanceler do Tesouro, estava agindo com base na mesma preocupação quando transferiu a supervisão bancária para a Autoridade de Serviços Financeiros (que eu presidi) em 1997. Mas então George Osborneoptou por reverter a mudança em 2013.

Existem opiniões fortemente defendidas em ambos os lados do debate sobre se os bancos centrais deveriam ser responsáveis ​​pela supervisão bancária. Mas a forma como o Fim de Jogo da Basileia está ocorrendo indica que será muito difícil estabelecer normas globais comuns em diferentes disposições constitucionais.

No Fim de Jogo de Beckett, o personagem Clov está pateticamente desesperado para criar ordem no caos. “Eu adoro ordem. É o meu sonho”, diz ele. “Estou fazendo o meu melhor para criar um pouco de ordem.” Esse poderia ser o lema do Comitê da  Basileia enquanto tenta vender seus produtos. Mas, tal como Clov, pode estar enfrentando dificuldades insuperáveis.

Tradução de Anna Maria Dalle Luche, Brazil

https://prosyn.org/QbTHySVpt