watkins15_Alex WongGetty Images_david malpass Alex Wong/Getty Images

Conseguirá David Malpass “triunfar” no Banco Mundial?

LONDRES – David Malpass assumiu o cargo de presidente do Banco Mundial e carrega consigo alguma bagagem pesada. Afinal, é a escolha do presidente norte-americano Donald Trump, suscitando o receio de que possa usar a posição para abrir uma nova frente na guerra comercial de Trump com a China, enfraquecer a liderança do Banco sobre as alterações climáticas e prejudicar o multilateralismo de uma forma mais ampla.

Nas reuniões da Primavera do Fundo Monetário Internacional - Banco Mundial a ter lugar esta semana, Malpass deverá abordar estas questões à cabeça. Não deverá ser avaliado pelo seu passado ou pelas suas ligações à administração Trump, mas pelas suas concretizações. Enquanto líder de uma instituição multilateral constituída por 189 membros e com um mandato para combater algumas das maiores injustiças do nosso tempo, desde a pobreza até à desigualdade extrema e ao aquecimento global, Malpass está a assumir um dos cargos mais importantes a nível mundial.

Independentemente das circunstâncias da sua nomeação, deve ser evitada a tentação de condenar Malpass sem antes proceder a uma avaliação justa. Os seus instintos anti-multilaterais podem ser exagerados. Enquanto alto funcionário do Departamento do Tesouro, ajudou a alcançar um aumento de capital de 13 mil milhões de dólares americanos para o Banco Mundial no ano passado. Além disso, sinalizou a intenção de manter a redução da pobreza no cerne da missão do Banco.

As reuniões da Primavera oferecem uma oportunidade para colocar as palavras em acção relativamente aos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), as metas da comunidade internacional para 2030 no que se refere à erradicação da pobreza, à melhoria da saúde e do bem-estar, à oportunidade de expansão, e à sustentabilidade ambiental.

Apesar dos extraordinários progressos alcançados nas duas últimas décadas, os sinais de advertência dos ODS estão a resplandecer. As estimativas recentes do Banco Mundial apontam para uma acentuada desaceleração do ritmo de redução da pobreza global. Perante as tendências actuais, cerca de 600 milhões de pessoas permanecerão abaixo da linha de pobreza oficial de 1,90 dólares americanos por dia em 2030. Mais de 40% dessas pessoas são crianças africanas.

Os dados relativos à sobrevivência infantil são igualmente preocupantes. Embora a taxa de mortalidade de crianças menores de cinco anos de idade tenha diminuído quase para metade desde 2000, o objectivo dos ODS de zero mortes infantis evitáveis está a ficar fora de alcance. Com as tendências actuais, mais de três milhões de crianças menores de cinco anos morrerão em 2030.

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A ficha informativa sobre educação é igualmente desoladora. Na nossa economia global baseada no conhecimento, há ainda cerca de 263 milhões de jovens que não frequentam o ensino. Um quarto destes jovens são crianças em idade de frequentar o ensino básico - e os números estão a aumentar. Um número ainda maior de crianças está no sistema de ensino, mas não beneficia de uma educação de qualidade. Para estas crianças, o compromisso dos ODS de "expandir oportunidades" tem todas as características de um cheque devolvido.

A desigualdade está no cerne da escassez iminente relativamente às metas de 2030. Sem uma forte redistribuição dos rendimentos a favor dos pobres, não há perspectivas de que a meta da erradicação da pobreza seja alcançada.

O mesmo se aplica à sobrevivência infantil. As crianças nascidas nos 20% dos agregados familiares mais pobres representam um terço de todas as mortes infantis, em grande parte devido à má nutrição e ao acesso insuficiente e desigual aos cuidados de saúde (incluindo vacinas). Eliminar a disparidade nas taxas de mortalidade exigirá o redireccionamento dos orçamentos da saúde para os mais desfavorecidos e para as crianças marginalizadas.

Estas são as áreas em que o Banco Mundial e o seu novo presidente podem fazer a diferença. Em seu abono, o Banco tem chamado cada vez mais a atenção para o problema da desigualdade. Porém, tem-se mostrado curiosamente reticente na defesa das políticas redistributivas em matéria de tributação, da despesa pública e da regulamentação necessária para reduzir as disparidades sociais. Malpass poderá não ser o defensor mais óbvio da redistribuição a favor dos pobres, porém, é isso que é necessário.

Há motivo para preocupação legítima nesta frente. No seu manifesto “eleitoral” inicial, Malpass centrou-se maioritariamente na redução de impostos, evitando escrupulosamente qualquer referência à necessidade de aumento da despesa pública em sectores como a saúde, a educação e as infra-estruturas.

Este é garantida para matar o paciente ODS. Longe de reduzir os impostos, o FMI estima que os países em desenvolvimento terão necessidade de aumentar 5% adicionais do PIB em receitas fiscais para alcançar os ODS. O Banco Mundial deveria estar a ajudar a construir os sistemas fiscais progressivos e responsáveis necessários para alcançar este resultado.

Num momento de redução dos orçamentos de ajuda, o Banco deveria também apoiar mais abordagens inovadoras para o financiamento. O ex-primeiro-ministro britânico Gordon Brown, o Enviado Especial das Nações Unidas para a Educação, solicitou a criação de um Fundo de Financiamento Internacional para a Educação que iria usar garantias de empréstimo para desbloquear 8 mil milhões de dólares americanos em novos financiamentos para a educação para países de baixo e médio rendimentos, cujo acesso à concessão de financiamento está, actualmente, restrito. Isto iria ajudar a colocar 70 milhões de crianças na escola.

O financiamento do sector da saúde é outra área de alta prioridade. Milhões de crianças morrem todos os anos em consequência de doenças tratáveis, tais como a pneumonia, a malária e a diarreia, porque os seus pais não podem pagar as taxas moderadoras ou porque as clínicas carecem de profissionais de saúde formados, de medicamentos e de equipamentos de diagnóstico vitais. Sob o mandato do seu anterior presidente Jim Yong Kim, o Banco Mundial defendeu publicamente a cobertura de saúde global financiada e por uma boa razão: não há nenhum caminho alternativo para prestar serviços de saúde de qualidade aos desfavorecidos. Malpass deve trabalhar em estreita colaboração com a OMS para impulsionar esta agenda, focando-se em serviços de cuidados primários.

Naturalmente, o progresso no âmbito dos ODS não é apenas sobre gastar mais. É também sobre o gastar de uma forma mais equitativa. Num novo relatório a ser lançado nas reuniões de Primavera do FMI-Banco Mundial, a Save the Children regista uma lacuna gritante entre os riscos para a saúde, que são fortemente direccionados para as crianças mais desfavorecidas e os benefícios dos gastos públicos, que são frequentemente desviados a favor de agregados familiares em melhor situação.

Esta situação é ignorada perante uma promessa central que os governos fizeram quando assinaram os ODS: que os países mais afastados das metas seriam beneficiados com o mais rápido progresso. Na linguagem da agenda: "ninguém deve ser deixado para trás."

O Banco Mundial poderia ajudar a melhorar a prestação de contas para cumprir esse compromisso ao trabalhar com as Nações Unidas e as agências nacionais para supervisionar e relatar a que ritmo as disparidades nos principais indicadores, desde a mortalidade à educação, estão a ser reduzidas. Tanto o Banco Mundial como o FMI devem também usar o seu relatório de financiamento público para supervisionar se as políticas orçamentais estão alinhadas com o compromisso de reduzir as desigualdades sociais.

Malpass tem o privilégio exclusivo e a responsabilidade de supervisionar uma das maiores fontes de financiamento do desenvolvimento a nível mundial - uma instituição formada por profissionais dedicados, empenhados em transformar milhões de vidas ao alcançar os objectivos dos ODS. Não deve perder a oportunidade.

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