A Rotação Asiática da Europa

CAMBRIDGE/OXFORD – A chamada “rotação para a Ásia” da administração Obama é a mais importante mudança estratégica empreendida pelos Estados Unidos desde o fim da Guerra Fira – e tem implicações profundas para a Europa. Mas os líderes da Europa têm ignorado grandemente ou interpretado mal o seu significado, e por isso não têm aproveitado a oportunidade que representa.

Por exemplo, há na Europa quem acredite que o interesse da América pela Ásia seja um desenvolvimento recente. Mas, como o Presidente Barack Obama disse em 2011, “Os EUA têm sido, e sempre serão, uma nação do Pacífico.” O objectivo desta mudança é garantir que os EUA desempenhem “um papel maior e de longo prazo na definição desta região”, onde têm desde há muito ajudado a manter a estabilidade e contribuído para um crescimento económico sem precedentes. Perante isto, a rotação da América deveria ser encarada mais como uma consolidação de políticas estabelecidas do que como uma mudança abrupta e de curto prazo.

O âmbito desta política também é amplamente incompreendido. Embora a política inclua um reequilíbrio da postura militar da América na Ásia – em 2020, a Marinha dos EUA destinará uma maior parte das suas forças, incluindo seis dos seus 11 grupos de porta-aviões, ao Oceano Pacífico – cobre todo o espectro da diplomacia, da economia, do desenvolvimento, da cultura, e das relações inter-societais.

Esta abordagem abrangente é evidenciada pela escolha de Obama quanto a destinos para a primeira viagem ao exterior do seu segundo mandato. Ao visitar Myanmar, Tailândia, e Camboja, Obama reforçou esforços anteriores para fortalecer o compromisso diplomático e económico com a região Ásia-Pacífico.

Além disso, a América integrou oficialmente a Cimeira da Ásia Oriental em 2011, aliviando as preocupações da região relativamente à postura cada vez mais agressiva da China no Mar da China Meridional. Do mesmo modo, a Parceria Trans-Pacífica e as ofertas de compromisso económico a países da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN – na sigla em inglês – NdT), propostas pela América, são as iniciativas mais recentes que sublinham a sua determinação em fortalecer os seus laços económicos na região.

Tais esforços para salvaguardar a estabilidade regional acabarão por beneficiar a Europa, para quem a Ásia se tornou um parceiro comercial cada vez mais importante. Dado o crescente risco de conflito na Ásia – devido a uma combinação tóxica de rápido crescimento do PIB, uma corrida armamentista, ressentimentos históricos, chauvinismo excessivo, disputas territoriais, e uma falta de acordos institucionais eficazes para a resolução de conflitos – a Europa deveria saudar uma presença mais forte dos EUA na região.

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Ao mesmo tempo, os líderes da Europa devem reconhecer que, ao fortalecer o seu compromisso com a Ásia, os EUA não se estão a afastar dos seus parceiros Europeus. Pelo contrário, como disse em Fevereiro o Vice-Presidente dos EUA Joe Biden, a Europa permanece como “a pedra angular do compromisso [dos EUA] com o resto do mundo.”

Os líderes dos EUA estão bem conscientes dos factores geopolíticos que fazem da Europa o seu aliado mais importante e fiável. A sua proximidade ao Médio Oriente e África – onde a União Europeia e os seus países membros são os mais importantes doadores de ajuda, parceiros comerciais, e agentes de segurança – garantirá a relevância continuada da parceria, assim como os valores comuns e a profunda integração económica que sustenta as relações transatlânticas.

Mas o reequilíbrio tem implicações estratégicas para a Europa. A presença militar da América na Europa será gradualmente reduzida, bem como a sua disponibilidade para assumir a liderança em crises internacionais – mesmo as que afectem os interesses da Europa. Como resultado, embora os EUA continuem a fornecer serviços de informação, apoio aéreo, e munições numa base casuística, como fizeram recentemente na Líbia e no Mali, a Europa terá cada vez mais que agir primeiro e sozinha.

Para que a Europa ultrapasse as suas restrições financeiras actuais e adquira a capacidade militar e o nível de coordenação necessários para cumprir o seu novo papel, deverá reunir e partilhar os seus recursos de modo mais eficaz. Além disso, seja numa base bilateral, através da NATO, ou através da UE, a insistência da França relativamente à soberania militar deverá ser reconciliada com a cultura Alemã de excessiva restrição militar. O falhanço na partilha de recursos e na coordenação de políticas debilitaria seriamente os interesses de segurança da Europa.

O reequilíbrio dos EUA também criará uma oportunidade para que a Europa desempenhe um papel mais destacado numa região cada vez mais importante. Ao juntar-se aos EUA no processo de reequilíbrio e defendendo um relacionamento com a China que seja construído com base na cooperação e não na contenção, a UE contribuiria para a estabilidade global, propagando ao mesmo tempo os valores Europeus. Para este efeito, a UE pode fazer valer a sua posição como um importante parceiro comercial, investidor, e doador de ajuda; também poderá contribuir em cimeiras de líderes, como a Reunião Ásia-Europa e o Fórum Regional da ASEAN.

A administração Obama parece entender os benefícios potenciais de um tal “reequilíbrio conjunto”, com a declaração UE-EUA sobre a região Ásia-Pacífico, publicada em Julho passado, que sugere uma transição no sentido da coordenação de políticas. Mas, na prossecução dessa harmonização, os Europeus deverão reconhecer que a sua estratégia para a Ásia – que tem sido até agora focada no comércio e, em menor medida, no estado de Direito e nos direitos humanos – deverá assumir uma dimensão securitária. 

Na verdade, se os conflitos na Ásia se tornarem mais virulentos, a Europa não pode esperar que os EUA carreguem sozinhos o fardo da manutenção da estabilidade regional. Apesar de isto não implicar necessariamente um papel militar para a Europa na Ásia (embora a participação em missões de manutenção de paz não deva ser excluída), significa uma postura diplomática mais enérgica em prol da mediação e do multilateralismo.

Um reequilíbrio conjunto ajudaria a fortalecer todas as facetas da relação UE-EUA, possivelmente catalisando progressos na Parceria Transatlântica para o Comércio e Investimento. Também fortaleceria a capacidade das maiores economias poderem definir regras vis-à-vis as economias emergentes, especialmente a China, no sentido da manutenção de uma ordem económica liberal.

Em resumo, uma abordagem comum relativamente à Ásia relançaria a relação transatlântica num momento oportuno, e garantiria que, apesar de ter sofrido com desentendimentos internos durante a última década, a parceria UE-EUA permanece a pedra angular de uma ordem mundial pacífica e próspera.

Traduzido do inglês por António Chagas

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