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África necessita de mercados de carbono

NOVA IORQUE – Os líderes mundiais empenharam-se numa resposta determinada à guerra na Ucrânia, cujas consequências estão a ser sentidas bem longe da zona de guerra. Têm de começar a demonstrar a mesma determinação no combate contra as alterações climáticas, que ameaçam causar danos muito maiores. Já sabemos o que é que isso exige: uma transição para uma economia de neutralidade líquida ou de baixo teor de carbono, que seja alimentada por energias renováveis. O desenvolvimento de mercados de carbono eficazes onde os países africanos sejam participantes activos contribuiria grandemente para a consecução deste objectivo.

Apesar de África ser responsável pela menor quota de emissões globais de gases com efeito de estufa, as suas economias em crescimento acelerado, ambições ousadas de desenvolvimento e população em rápido crescimento significam que a sua utilização de energia aumentará enormemente nas próximas décadas. Garantir que a trajectória de desenvolvimento do continente se alinha com uma transição energética justa é, por conseguinte, essencial para que se atinjam os objectivos climáticos globais.

Isso será dispendioso. Só na África Subsaariana, a transição para a neutralidade líquida custará uns estimados 1,7 biliões de dólares até 2030. Não se poderá esperar que a ajuda pública ao desenvolvimento, que já estava em declínio mesmo antes da pandemia da COVID-19 exercer pressão adicional sobre os orçamentos dos países dadores, venha a cobrir estes custos. É necessário um novo e inovador financiamento climático.

É aí que entram os mercados de carbono fiáveis e eficientes. Os mercados de carbono desbloqueiam financiamentos para a transição no sentido da neutralidade líquida, ao imporem limites às emissões que os países e as empresas podem emitir. Se um emissor pretender exceder o limite estabelecido, terá de adquirir licenças ou créditos gerados por projectos para redução de emissões.

Os mercados de carbono ganharam força significativa nos últimos anos, estando actualmente cerca de 23% das emissões globais cobertas por um qualquer tipo de preço para o carbono. O valor das licenças de dióxido de carbono comercializadas disparou por 164% em 2021, atingindo o valor recorde de 851 mil milhões de dólares.

Mas o mercado de carbono global mantém-se caótico e volátil. O preço pode variar de menos de 10 dólares por tonelada de equivalente de CO2 a mais de 100 dólares por teCO2. A alteração das metas e políticas climáticas, as dificuldades e incertezas económicas causadas por crises como a pandemia da COVID-19 e a guerra na Ucrânia, a subida dos preços do petróleo e do gás e a especulação crescente no mercado de carbono contribuem todos para a volatilidade.

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A imprevisibilidade dos preços impossibilita que os países africanos de menores rendimentos, que enfrentam limitações em termos de fundos e de capacidade técnica, participem em condições equitativas no mercado de carbono. Consequentemente, toda a África ficou em grande medida à margem dos mercados de carbono globais.

Isto é inaceitável, e não apenas devido ao consumo futuro esperado de energia em África. Os ecossistemas de África armazenam quantidades enormes de carbono. As árvores na Bacia do Congo absorvem cerca de 1,2 mil milhões de toneladas de CO2  todos os anos, e as mais altas florestas de montanha em África conseguem armazenar mais carbono por hectare até mesmo que a Amazónia.

Este valor ultrapassa em muito o previamente suposto, sublinhando assim a necessidade de melhores mecanismos para o cálculo do carbono armazenado em florestas e solos (o carbono orgânico armazenado no solo é aproximadamente o triplo da quantidade encontrada nas plantas vivas).

Mas a África faltam principalmente as competências e tecnologias necessárias para efectuar esses cálculos, que permitiriam a África monetizar os seus projectos de regeneração florestal e de solos, além de outras iniciativas de mitigação climática. Além disso, preços baixos e imprevisíveis do carbono não conseguem angariar financiamento suficiente para cobrir o custo de aquisição da capacidade necessária. África necessita de estruturas de financiamento climático mais robustas, sustentadas por uma colaboração intergovernamental (NdT: no original, “government to government (G2G)) e inter-regional nos mercados de carbono.

Esta cooperação já comprovou ser eficaz noutras paragens. Desde o seu lançamento em 2005, o Sistema de Negociação de Emissões da União Europeia (ETS) expandiu-se até cobrir quase metade das emissões europeias. A UE também ajudou a China a desenvolver o seu próprio ETS, cuja actividade se iniciou no ano passado. E tanto a UE como a China estão a trabalhar no sentido de relacionar os seus mercados de carbono com os dos seus vizinhos regionais (a UE com a Suíça e a China com os países do Sueste Asiático), com o objectivo de reduzir a fragmentação e de reforçar a eficácia.

Os países europeus têm de iniciar, com os seus homólogos africanos, uma colaboração semelhante a nível dos mercados de carbono. De certa forma, isto já está a acontecer: o Ruanda e a Suécia estão dar os primeiros passos na negociação de linhas intergovernamentais para financiamento climático. Mas é preciso fazer mais, com os maiores emissores a canalizarem investimento, baseado num preço de carbono bonificado, para um fundo climático destinado a África.

Esta abordagem criaria certezas e protegeria todas as partes da volatilidade dos preços, permitindo assim a participação dos países africanos no financiamento das transições para as energias limpas, ao mesmo tempo que geraria grandes compensações carbónicas para as empresas europeias. Estas linhas poderiam ajudar a financiar, por exemplo, o ambicioso esforço do Ruanda em reduzir as emissões de carbono por 38% até 2030 (comparativamente à actividade normal), um objectivo que custará cerca de 11 mil milhões de dólares a atingir.

O Ruanda já comprovou a sua capacidade de traduzir financiamentos deste tipo em melhorias. Os investimentos no fundo verde nacional do país, o FONERWA, foram usados para recuperar mais de 100 000 hectares de ecossistemas degradados, criar mais de 176 000 empregos dignos, e disponibilizar a mais de 88 000 agregados familiares o acesso autónomo a energia renovável, entre outros projectos.

Uma linha intergovernamental de financiamento climático pode promover o crescimento de empresas inovadoras de energias limpas, criar mais bons empregos em sectores sustentáveis, manter o carbono armazenado no solo e permitir a África desenvolver a sua capacidade técnica. Para os grandes países emissores, os mercados intergovernamentais de carbono proporcionam uma forma para cumprir os compromissos climáticos celebrados ao abrigo do acordo de Paris sobre o clima, de 2015, sem recorrer a uma abordagem centrada na ajuda. Isso torna-os essenciais para impedirmos uma catástrofe climática.

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