luque1_Mario TamaGetty Images_brazileconomyrousseff Mario Tama/Getty Images

Brasil: Raízes da Crise Econômica

SÃO PAULO/GAND – Quando o Corona vírus atingiu o Brasil a renda per-capita do país já estava em declínio.  O declínio começou em 2014. Em 2019 a renda per-capita estava 7% abaixo de seu nível em 2013. Cairá ainda mais em 2020.

Entretanto, há poucos anos atrás, o otimismo era grande.

Em 2012, pouco antes do começo do declínio econômico mais longo da história moderna do pais, no seu relatório Article IV assessment, o FMI ressalta “a notável transformação social do Brasil sustentada por estabilidade macroeconômica e melhoras no padrão de vida.”  O FMI fez projeções de acordo com as quais o PIB cresceria a 4-5% ao ano a partir de 2013.  Instituições financeiras nacionais e internacionais, e comentaristas econômicos fizeram projeções igualmente otimistas.

O que aconteceu?

O Brasil sabe como crescer.  A Comissão sobre o Crescimento, Growth Commission, identificou o Brasil como um dos poucos países capaz de crescer a taxas altas por mais de 25 anos.  Entre 1950 e 1980 o PIB cresceu a taxas anuais de 7% com taxas de crescimento industrial ainda maiores IBGE.  Nos anos 1980, a indústria no Brasil era mais sofisticada e diversificada do que a indústria na Coreia ou Índia.

O Brasil desenvolveu uma das maiores indústrias aeronáuticas do mundo.  A estatal Embraer, agora privatizada, é um líder no setor.  Apesar de dúvidas sobre as condições agroclimáticas, financiamento público abundante e apoio governamental durante várias décadas permitiram o desenvolvimento de variedades locais que fizeram do Brasil um dos maiores exportadores mundiais de alimentos.  A estatal Petrobras, uma das maiores companhias petroleiras no mundo, líder internacional em tecnologia de exploração de petróleo em águas profundas, transformou o país, de importador, em exportador de petróleo.

Winter Sale: Save 40% on a new PS subscription
PS_Sales_Winter_1333x1000 AI

Winter Sale: Save 40% on a new PS subscription

At a time of escalating global turmoil, there is an urgent need for incisive, informed analysis of the issues and questions driving the news – just what PS has always provided.

Subscribe to Digital or Digital Plus now to secure your discount.

Subscribe Now

Então, o que explica o declínio do país pos-2013?  A resposta convencional é a indisciplina fiscal e monetária que precedeu a reeleição da Presidente Dilma Rousseff em 2014: congelamento das tarifas de serviços públicos, sobrevalorização do Real, e expansão de credito politicamente orientado através dos bancos estatais. O déficit público aumentou, assim como pressões inflacionarias.  Em reação, o investimento estrangeiro caiu, e a dívida pública aumentou a níveis sem precedentes.

Logo depois de sua reeleição, as políticas econômicas mudaram radicalmente.  Contração fiscal, aumento de tarifas, e aumentos da taxa de juros ocasionaram queda do investimento privado e o colapso do crescimento.

Mas essa explicação é incompleta.  As causas da crise econômica brasileira são mais profundas.

Primeiro, as fundações do crescimento vêm se enfraquecendo desde 1980.  Desde então, o investimento público e privado tem declinado, a economia perdeu participação mundial com exportações e importações caindo em proporção do PIB, e se desindustrializou.  A participação da indústria no PIB passou de 25% em 1980 a 10% em 2019 World Bank Development Indicators.

O declínio do investimento público e privado tem sido particularmente acentuado, com o investimento em infraestrutura abaixo da depreciação.  Com a indústria estagnada e encargos trabalhistas altos, a força de trabalho que saiu da agricultura devido aos aumentos de produtividade agrícola foi aumentar o emprego informal.  O resultado final é que enquanto em 1980 a renda per-capita do Brasil era duas vezes a da Coreia, agora é metade.    

Segundo, o Brasil deu certo quando o país desenvolveu suas próprias soluções.  O país conseguiu controlar a inflação alta em 1994 com o “Plano Real”, um plano baseado na utilização do próprio índice de inflação como unidade de conta, o que forneceu a base de uma moeda estável.  O FMI não apoiou esse plano devido à sua falta de ortodoxia.  Entretanto, o Plano Real conseguiu trouxe a inflação de quatro a um digito só sem a redução de crescimento que geralmente acompanha programas de estabilização.

Alguns anos mais tarde, o Brasil resistiu pressões vindas do FMI, dos EUA e banqueiros internacionais para dolarizar a economia durante a crise Asiática de 1997. Reagiu à instabilidade financeira trazida pela crise com a introdução da “Tríade”: superávits primários (através de aumentos significativos de tributação), taxa de câmbio flutuante, e um banco central independente com o mandato único de combater a inflação e atingir as metas de inflação.

A “Tríade” foi uma boa política: conteve a inflação e estabilizou os fluxos financeiros.  Mas boas políticas econômicas são raramente boas para sempre. 

O Brasil se entregou ao conforto de regras rígidas.  As políticas macroeconômicas foram postas em piloto automático.  A qualquer aumento de inflação o Banco Central reagiu com aumentos da taxa de juros.  Com uma conta capital aberta, inevitavelmente isso atraia fluxos financeiros que valorizaram o Real, com consequências negativas para as exportações e a economia real.

A “Tríade” for mantida muito depois de seu tempo útil.  As taxas de juros, as mais altas do mundo em términos reais, World Bank Development Indicators, sobrevalorizaram a taxa de câmbio, desincentivaram as exportações, e fizeram dos juros sobre a dívida pública a maior despesa fiscal (8% em anos recentes). (Article IV assessment].

E, depois da reeleição, exatamente quando o “commodity” boom estava acabando, e sem uma estratégia para retomar o crescimento, o governo aumentou as tarifas públicas, cortou a despesa, e aumentou as taxas de juros não somente aos níveis mais altos do mundo, mas também a níveis bem mais altos do que a taxa de crescimento do PIB.  A contração da economia se acelerou, e o desemprego aumentou.  Depois do impeachment em 2016, o governo reforçou os cortes de gastos, ainda sem uma estratégia para o crescimento.  Reduções no PIB reduziram a tributação e aumentaram a dívida pública. 

Com aplausos do FMI, Banco Mundial, OCDE e comentaristas econômicos nacionais e internacionais, as autoridades persistiram com políticas de austeridade, convencidas de que contrações fiscais são expansionistas, mesmo no meio de uma recessão.  A teoria é que reduzindo a tributação esperada no futuro, os empresários irão aumentar a inversão no presente.  Mas não é logico empresários com ampla capacidade ociosa aumentar a inversão para expandir essa capacidade ainda mais.

Os problemas econômicos do Brasil pioraram durante a campanha para presidente em 2014, e foram exacerbados pelo COVID-19.  Mas não são responsáveis pelo enfraquecimento das fundações do crescimento econômico do pais desde 1980, a falta de uma estratégia de crescimento, ideias “importadas” de politica econômica, e regras macroeconômicas rígidas.  Corrigir essas fraquezas estruturais é essencial para a melhora das perspectivas econômicas do pais.   

https://prosyn.org/9YY4aWKpt