Matt Gush/Getty Images

O déficit de confiança da economia dos EUA

MILÃO – Embora as fontes oficiais e a mídia destaquem os fortes dados de emprego e de gastos do consumidor nos Estados Unidos, ou elogiem as altas avaliações do mercado de ações dos EUA, mais de três quartos dos americanos consideram as condições econômicas ruins (36%) ou regulares (41%). Essa desconexão entre desempenho e percepção pode ter consequências de longo alcance; ela já ajudou a impulsionar Donald Trump para a vitória na eleição presidencial do mês passado. Sendo assim, o que está causando isso?

Aqui, vale a pena considerar como os atores do mercado lidam com informações assimétricas - quando uma parte tem mais ou melhores informações do que outra parte ou partes. Imagine que você queira fazer uma compra. Como comprador, há um limite para as informações que você pode obter sobre suas opções por meio de observação direta. Portanto, você toma sua decisão com base em suas crenças sobre essas opções, que vão além dos fatos discerníveis e incluem características invisíveis ou antecipadas.

Mas o processo não termina quando a transação é concluída. Em seguida, você se envolve na “descoberta” - essencialmente, na observação. Se, durante esse processo, você aprender coisas que não correspondem às crenças que orientaram sua decisão, você modifica suas crenças.

Nos modelos de sinalização e triagem que os economistas usam, as escolhas feitas por vários agentes fecham as lacunas de informação e levam ao equilíbrio: as crenças que moldam a demanda levam a escolhas no lado da oferta que acabam sendo consistentes com essas crenças. O ponto crucial é que a observação direta que se segue a uma transação ancora as crenças e determina o equilíbrio.

Mas em nossa economia altamente complexa, caracterizada pela especialização e interconexão, essa observação nem sempre é possível. Pelo contrário, muitas ou até mesmo a maioria das condições importantes para o bem-estar ou para a tomada de decisões de um indivíduo hoje não são locais ou estão sujeitas à observação pessoal. Não pode haver um processo de descoberta abrangente que garanta que as crenças estejam vinculadas às realidades subjacentes.

Quando a verificação pessoal é impraticável ou impossível, contamos com intermediários de informações, incluindo a mídia tradicional, o governo ou especialistas, como cientistas climáticos. Em nossa era digital, as plataformas de mídia social e as fontes online também assumiram uma posição de destaque em nossos ecossistemas de informações.

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Mas para que esses intermediários possam preencher as lacunas de informação, eles precisam ser confiáveis - e os americanos não estão convencidos disso. Uma pesquisa Gallup de 2023 mostrou que a fé nas instituições, desde a mídia até o governo, atingiu níveis historicamente baixos nos EUA, com apenas 18% dos entrevistados expressando confiança nos jornais, 14% nos noticiários da televisão e 8% no Congresso. Os cientistas se saem melhor, com 76% dos americanos relatando uma “quantidade grande” ou “quantidade razoável” de confiança de que eles agirão de acordo com os melhores interesses do público, embora o grupo que se identifica como “altamente cético” esteja crescendo, especialmente entre os republicanos declarados.

Por que os americanos não confiam nas instituições que deveriam estar ajudando a preencher as lacunas de informação? Notícias animadoras sobre o desempenho da economia que não levam em conta a realidade do bolso das pessoas podem ser parte da resposta.

Os dados sobre a distribuição de renda podem ajudar a esclarecer essas realidades. A crise financeira global de 2008, que começou com o colapso de uma bolha imobiliária, causou um grande golpe nos balanços patrimoniais dos 50% mais pobres das famílias. Em 2010, esse grupo representava apenas 0,7% do patrimônio líquido total das famílias. Seguiu-se uma recuperação parcial, mas a pandemia de covid-19 e o subsequente aumento da inflação, que estimulou o Federal Reserve dos EUA a aumentar as taxas de juros, produziram novos ventos contrários. Mais de um quarto das famílias dos EUA gasta agora mais de 95% de sua renda em necessidades, deixando-as vulneráveis até mesmo a choques leves e tornando a construção de patrimônio praticamente impossível.

Este ano, o patrimônio líquido total das famílias norte-americanas foi de US$ 154 trilhões, sendo que os 50% mais pobres da distribuição responderam por US$ 3,8 trilhões - apenas 2,5% do total. Isso equivale a US$ 58 mil, em média, para cerca de 66 milhões de domicílios nos EUA, sendo que muitos possuem muito menos. Os 10% mais ricos detêm dois terços de toda a riqueza das famílias dos EUA, e os 90% mais pobres compartilham o terço restante.

Não é difícil entender por que os americanos podem desconfiar daqueles que apresentam uma narrativa econômica otimista que não corresponde à sua experiência. Mesmo quando os meios de comunicação destacam as condições econômicas desafiadoras que muitos americanos enfrentam, suas reportagens não são traduzidas em políticas e ações que façam uma diferença significativa. Isso vem ocorrendo há pelo menos duas décadas e prejudica a confiança no sistema como um todo. Num determinado momento, as pessoas podem começar a presumir que as instituições tradicionais estão mentindo ou são ignorantes.

A desvinculação das crenças das fontes tradicionais de informação deixa o campo aberto para alternativas, que podem muito bem não ser confiáveis. A internet - e a rede social, em particular - facilita e complica esse processo, pois oferece acesso a um grande número de fontes não verificadas. Os resultados podem ser altamente polarizadores.

Embora a pesquisa sobre o impacto da rede social em nosso comportamento esteja em andamento, parece claro que plataformas como Facebook, X e TikTok se tornaram mecanismos poderosos para a formação de grupos. O processo se reforça automaticamente: os indivíduos selecionam seu grupo com base, em parte, em crenças compartilhadas, e o grupo influencia as perspectivas dos membros. O viés de confirmação - a tendência de buscar informações consistentes com suas crenças anteriores - reforça as percepções divergentes dos grupos sobre a realidade. Algumas crenças controversas - como a alegação de que a eleição presidencial de 2020 foi roubada de Donald Trump - não são mesmo crenças para muitos, mas sim dispositivos de triagem para verificar a fidelidade dos membros do grupo aos mesmos “fatos”.

Diante desse cenário, restaurar uma percepção básica compartilhada da realidade como base para a política econômica é uma tarefa formidável. As experiências econômicas extremamente divergentes dos americanos, enraizadas na crescente desigualdade de riqueza e em muitas outras dificuldades, incluindo o aumento dos custos de saúde e da faculdade, só agravarão o desafio.

Tradução por Fabrício Calado Moreira

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