fofack17_LUDOVIC MARINAFP via Getty Images_macron LUDOVIC MARIN/AFP via Getty Images

Macron e o futuro da Françáfrica

CAIRO – No início de março, o presidente francês, Emmanuel Macron, visitou quatro Estados africanos – Gabão, Angola, Congo e República Democrática do Congo – no Golfo da Guiné, rico em recursos naturais. A viagem, a sua 18.ª a África, teve como objetivo contrariar a ofensiva de charme da China e da Rússia no continente: ambos os países estão a reforçar a sua presença em locais outrora considerados parte da esfera de influência de França – pré carré français.

Antes de embarcar na digressão, Macron admitiu honestamente que França se encontrava num “período de transição” com os seus parceiros africanos, enquanto trabalhava para desenvolver relações baseadas em mais do que apenas segurança. Mas foi rápido a acrescentar que nenhuma das seis bases militares francesas no continente seria encerrada como parte deste reequilíbrio, sublinhando os desafios que os países africanos enfrentam para separar o crescimento económico e os objetivos de desenvolvimento das preocupações de segurança, às quais têm estado subordinados há muito tempo.

A insistência de Macron na necessidade de manter a presença militar de França em África (embora com uma presença mais pequena) contrasta fortemente com as opiniões dos jovens africanos, que se opõem cada vez mais à presença militar estrangeira no continente. Por estranho que pareça, os franceses estão mais de acordo com os africanos do que com o seu próprio presidente: uma sondagem recente do Instituto Francês de Opinião Pública (IFOP) revelou que 55% dos franceses são a favor do encerramento das bases militares do seu país em África.

A relação entre França e África exemplifica a afirmação de Benjamin Disraeli em 1863: “As colónias não deixam de ser colónias por serem independentes”. A resiliência do cordão umbilical colonial francês é evidente em vários domínios do desenvolvimento e da arte de governar, incluindo a segurança, a política económica e monetária e a política externa.

A guerra na Ucrânia é um exemplo disso mesmo. Quando, em março de 2022, 25 dos 54 países africanos abstiveram-se ou não submeteram a votação a resolução das Nações Unidas que condenava a invasão russa, Macron criticou a sua “hipocrisia”. Desde então, França e outras potências ocidentais mobilizaram imensos recursos financeiros e diplomáticos para apoiar a Ucrânia, em forte contraste com a crise no Sahel. Há mais de uma década que grupos terroristas desestabilizam a região, devastando inúmeras comunidades. No entanto, esta questão tem recebido pouca atenção a nível mundial e o Ocidente tem sido incapaz de reagir eficazmente.

Para além de demonstrar a resposta mundial desigual aos conflitos na Europa, a crise da Ucrânia também pôs em evidência o desequilíbrio entre as relações de França com a Rússia e o seu envolvimento com as antigas colónias. Em 2021, o investimento direto estrangeiro (IDE) francês na Rússia foi de mais de 3 mil milhões de dólares, relegando para segundo plano o seu IDE total nas antigas colónias africanas, estimado nuns míseros 268 milhões de dólares.

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Mais interessante ainda é a composição desses investimentos: o IDE de França na Rússia tem uma forte componente de produção, que é altamente intensiva em mão de obra e mais eficaz para proporcionar um crescimento inclusivo do que a extração de recursos naturais, o principal foco de tais afluxos para África. No Fórum Económico Internacional de São Petersburgo, em 2018, Macron vangloriou-se de que “as empresas francesas empregam 106 mil cidadãos russos”. Antes de se alienar do país sancionado, só o fabricante francês de automóveis Renault empregava 45 mil russos.

Embora a Renault tenha ajudado a criar milhares de empregos na Rússia, as ruas das antigas colónias africanas de França estão congestionadas com carros importados – uma das principais fontes dos desequilíbrios externos desses países. Esta dependência excessiva das importações aumenta a vulnerabilidade da região à volatilidade global, exporta postos de trabalho e, em algumas economias, gerou taxas de desemprego superiores a 20%, o que só fomenta a migração para o Norte, a mesma que os Estados europeus têm procurado travar. Por outro lado, muitos países africanos possuem as matérias-primas necessárias para fabricar automóveis, incluindo os veículos elétricos que serão decisivos na luta contra as alterações climáticas.

Igualmente prejudicial é o franco CFA, que, ao contrário da libra esterlina e do escudo, por exemplo, persiste como uma das relíquias mais visíveis do colonialismo. Criada em 1945, a moeda apoiada pela França está indexada ao euro e ainda é utilizada em duas zonas monetárias na África Ocidental e Central. Macron tentou reformar o sistema no final de 2019, anunciando a substituição do franco CFA pelo “eco” em oito países (embora ainda não tenha sido adotado). Mas mesmo com esta mudança, a garantia de França continua a enfraquecer a soberania monetária e a ligação da moeda ao euro continua a prejudicar a competitividade e a industrialização.

Estes efeitos adversos do modelo de desenvolvimento colonial de extração de recursos impediram a diversificação e deixaram a economia real de África sofrer os piores efeitos da globalização. Embora África represente cerca de 17% da população mundial, é responsável por apenas 3% das exportações mundiais num ambiente económico global em rápida mutação, em que o comércio tem sido largamente impulsionado por produtos manufaturados com crescentes conteúdos tecnológicos.

Os custos sociais são gigantescos. A multinacional francesa Orano (antiga Areva), por exemplo, extrai urânio nigerino há décadas, obtendo uma série de incentivos e benefícios fiscais. Este acordo com a sua antiga colónia posicionou França como um dos principais exportadores de urânio e um líder mundial em energia nuclear, atenuando a sua exposição à escassez resultante das restrições impostas pela Europa às importações de hidrocarbonetos russos. No entanto, o Níger continua a ser um dos países mais pobres do mundo – menos de 20% da sua população tem acesso à eletricidade.

Albert Sarraut, ministro das Colónias de França entre 1920-24 e 1932-33, foi quem melhor captou a intenção da economia imperial: “Do ponto de vista económico, uma propriedade colonial significa simplesmente, para o país colonizador, um mercado privilegiado de onde retirará as matérias-primas de que necessita, despejando em troca as suas próprias manufaturas”. Ainda hoje, mais de 80% dos países africanos continuam dependentes de produtos primários e sofrem desproporcionadamente de crises recorrentes das balanças de pagamentos que comprometem a sustentabilidade orçamental e da dívida.

Num ambiente geopolítico cada vez mais competitivo, a ambição de Macron de redefinir o papel de França em África deve ser bem acolhida. Mas qualquer esforço nesse sentido tem de dissociar as preocupações de segurança dos objetivos de desenvolvimento e transcender as dinâmicas neocoloniais. Num mundo em que a inovação tecnológica está a acelerar e o fosso entre países desenvolvidos e em desenvolvimento está a aumentar, os países africanos procuram uma integração significativa na economia global. Se os franceses não conseguirem facilitar este processo, há muitos outros atores geopolíticos que aguardam a sua vez nos bastidores.

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