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A geopolítica ou a tecnologia vão remodelar a ordem monetária global?

BERKELEY - Quando os Estados Unidos e seus parceiros do G7 impuseram sanções ao banco central da Rússia e proibiram as instituições financeiras ocidentais de fazer negócios com contrapartes russas, comentaristas alertaram para mudanças de longo alcance na ordem monetária e financeira global. Outros países viram essas sanções como mais um passo no “armamento” das finanças do Ocidente. Temendo que também eles possam ser alvo de sanções um dia, governos e bancos centrais reduziriam sua dependência do dólar, dos bancos dos EUA e da Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication (Sociedade para a Telecomunicação Financeira Interbancária Mundial - SWIFT, na sigla em inglês), dominada pelos EUA.

A China seria o principal beneficiário, prosseguiram estas previsões. Até agora, a China tem procurado se manter alheia à disputa entre a Rússia e o Ocidente. O país asiático tem um grande sistema bancário. Criou um sistema de pagamentos interbancários transfronteiriços para facilitar a liquidação de renminbi e fornecer uma alternativa ao Fedwire e ao Sistema de Pagamentos Interbancários Casa de Compensação(Clearing House Interbank Payments System - CHIPS), por meio dos quais pagamentos em dólares são feitos.

A Rússia já aceita renminbi no pagamento total de 14% das suas exportações. Seu fundo soberano detém US$ 45 bilhões em títulos e depósitos em renminbi, e as empresas russas emitiram US$ 7 bilhões em títulos denominados em renminbi no ano passado.

Dadas as circunstâncias da Rússia, nada disto deveria ser uma surpresa. Mas será que outros países também vão nessa direção? Quando o presidente Xi Jinping visitou a Arábia Saudita no fim do ano passado, houve conversas sobre os sauditas receberem o pagamento das suas exportações de petróleo em renminbi. A China concluiu recentemente acordos de compensação de renminbi com o Paquistão, a Argentina e o Brasil. No mês passado, o Banco Central do Iraque anunciou um plano para permitir a liquidação direta de renminbi para o comércio com a China.

No entanto, esse tipo de mudança mais ampla ainda não é visível nos dados. Segundo o Fundo Monetário Internacional, a parte do renminbi nas reservas cambiais globais ainda é menos de 3% do total global reportado. Além disso, o renminbi é responsável por menos de 2% por valor de todas as instruções relativas a pagamentos interbancários transfronteiriços enviados através do sistema SWIFT.

Sem dúvida, nem todos os países reportam a composição monetária das suas reservas externas, e os países mais preocupados com as sanções são os menos propensos a reportar. E, em vez de utilizarem o serviço de mensagens eletrônicas do SWIFT, é mais provável que esses bancos organizem transferências transfronteiriças através de alternativas tradicionais, como o correio eletrônico, o telefone e o fax.

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Mas, apesar de casos especiais como o da Rússia, há também razões para pensar que a China tem uma força gravitacional financeiramente limitada. As queixas dos EUA de que a China pode estar ajudando a Rússia com material de guerra levantam a possibilidade de Pequim se tornar sujeita a sanções secundárias, caso em que haverá pouca ou nenhuma margem para fazer negócios transfronteiriços através de bancos chineses.

Além disso, o governo da China tem mudado repetidas vezes sua postura em relação ao setor privado. Isso aponta para a possibilidade do país mudar as condições de acesso dos bancos centrais estrangeiros que detêm reservas em Xangai e dos bancos comerciais que procuram transferir fundos usando seu sistema de pagamentos transfronteiriços. Os controles de capital da China fornecem alavancas para fazer tais mudanças, e a centralização do poder de Xi significa que há poucas forças compensatórias para impedi-lo de tomar tais medidas se ele quiser.

Em vez de colocar seus ovos na cesta da China, outros países, na Ásia e em outros lugares, têm procurado usar suas próprias moedas para pagamentos entre fronteiras. Singapura e Tailândia conectaram seus sistemas de pagamento rápido em tempo real, PayNow e PromptPay, permitindo aos clientes dos bancos participantes transferir fundos entre os dois países usando apenas um número de celular. Do mesmo modo, o Bank Negara Malaysia e o Bank Of Thailand vêm ampliando seu quadro de liquidação direta ringgit-baht para permitir aos malaios e tailandeses fazer pagamentos diretos usando bancos comerciais qualificados. Cinco bancos centrais do Sudeste Asiático assinaram acordo para conectar seus sistemas de pagamentos rápidos, ignorando a necessidade de usar o dólar ou o renminbi para transferências transfronteiriças. E a Indonésia, durante sua presidência do G20, criou uma força-tarefa para a liquidação da moeda local para identificar reformas regulatórias que incentivem a prática.

Do mesmo modo, no campo das reservas externas, a diversificação para longe do dólar não significou diversificação para o renminbi, em geral, mas sim para o won coreano, o dólar de Singapura, a coroa sueca, a coroa norueguesa e outras moedas de reserva não tradicionais.

Estas tendências refletem não tanto a geopolítica como a evolução da tecnologia. Como os sistemas de pagamento como o PayNow e o PromptPay são nativos digitais, estão prontamente interligados, eliminando a necessidade de se usar o dólar ou o renminbi ao transferir fundos. As moedas destes países mais pequenos se tornaram também mais fáceis de manter e mais baratas de negociar com o aumento das plataformas digitais em moeda estrangeira, com algoritmos automatizados de criação de mercado e de provisão de liquidez. Isso, por sua vez, torna essas moedas mais atraentes para pagamentos e como forma de reservas internacionais.

Presume-se que a geopolítica vá remodelar a ordem monetária e financeira mundial a favor da China. Mas a tecnologia pode ter a palavra final. E, se o fizer, pode alterar essa ordem de um modo muito diferente.

Tradução por Fabrício Calado Moreira

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