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Depois do desempenho de Biden no debate, o mundo deve preparar-se para Trump

NOVA IORQUE – O primeiro – e potencialmente único – debate entre o 45.º e o 46.º presidentes dos Estados Unidos constituiu uma clara vitória para Donald Trump, já que a maioria dos espectadores concentrou-se mais nas aparentes fragilidades físicas e mentais de Joe Biden do que nas evasivas e no tráfico de mentiras facciosas ou deslavadas de Donald Trump. A questão agora, no entanto, é saber que diferença, se é que há alguma, isso fará nas eleições presidenciais que estão apenas a quatro meses de distância.

O debate, provavelmente, aumenta as probabilidades de Trump ocupar o Salão Oval a partir das 12h de 20 de janeiro de 2025. Antes de entrarem para o debate de quinta-feira à noite, Trump estava ligeiramente à frente em muitas das sondagens nacionais e, mais importante, na meia dúzia de estados “flutuantes” que são mais suscetíveis de determinar o resultado das eleições. O debate só aumentou essa vantagem.

O contexto favorece Trump. Este ano já provou ser difícil para os titulares que procuram a reeleição, como demonstraram os resultados na Índia e em França (com a Grã-Bretanha a seguir). As sondagens também mostram uma baixa taxa de aprovação para os primeiros-ministros do Japão e do Canadá, o que poderá levar a uma mudança de liderança nesses países. Biden e os EUA estão em posição de seguir essa tendência.

À semelhança de muitos dos seus colegas em funções, Biden tem lutado para gerir os crescentes desafios de imigração e económicos. O seu fracasso em lidar eficazmente com a fronteira sul permitiu que cerca de dez milhões de homens, mulheres e crianças entrassem nos EUA ilegalmente. Depois, há os efeitos da inflação, algo que os eleitores são lembrados todas as vezes que vão ao supermercado ou abastecem os carros com gasolina. Biden pode apontar realizações no domínio da política interna e externa, mas elas são menos salientes para muitos americanos.

A questão mais crítica tem a ver com a idade de Biden. As dúvidas de que Biden poderá ser simplesmente demasiado velho para o que é, indiscutivelmente, o cargo mais exigente e importante do mundo mantêm-se generalizadas e profundas. Ele tem 81 anos, fará 82 em novembro, e, se for reeleito, terá 86 enquanto ainda estiver na Casa Branca. E ele é um idoso de 81 anos. Como o debate demonstrou, ele anda com dificuldade, perde o fio à meada e tem uma voz débil e rouca. Trump é apenas três anos mais novo e apesar de fazer pouco sentido quando fala, muitas vezes com desvios retóricos bizarros, consegue projetar uma imagem mais vigorosa.

Tendo em conta o melhor desempenho de Biden numa paragem durante a campanha que decorreu no dia a seguir ao debate, há quem acredite que ele ainda possa recuperar. Afinal, Ronald Reagan e Barack Obama recuperaram de desempenhos fracos em debates. Mas isso foi porque eles foram vistos como grandes oradores que simplesmente tiveram uma noite má. O problema de Biden é que a sua má prestação reforçou uma narrativa já enraizada que será difícil, ou até mesmo impossível, de alterar. O seu desempenho poderia até ameaçar transformá-lo numa espécie de peso morto, enfraquecendo ainda mais a sua influência no país e no estrangeiro.

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Dito isto, Biden será o candidato escolhido pelo Partido Democrata na convenção do partido em agosto, a menos que ele próprio se retire da corrida e liberte os seus delegados comprometidos para votarem noutra pessoa. Quem seria esse “alguém” – a vice-presidente Kamala Harris, um governador ou senador em exercício, um membro do seu gabinete – é uma incógnita.

É óbvio que Biden e o seu círculo íntimo estão a resistir aos apelos (inclusive de editores compassivos dos principais meios de comunicação) para que se afaste. Nem ele nem os seus leais tenentes, muitos dos quais estão ao seu lado há décadas, deram qualquer indicação de que o presidente irá desistir.

O futuro político em declínio de Biden pode muito bem vir a ser um entrave para outros candidatos democratas no próximo outono. É possível que uma vitória de Trump possa contribuir para um controlo do Senado pelos republicanos, ao mesmo tempo em que detêm a Câmara dos Representantes. Juntamente com um Supremo Tribunal que tem demonstrado cada vez mais simpatia por posições apoiadas por Trump e pelos republicanos do Congresso, esta situação daria origem ao equivalente americano de um sistema parlamentar, com o poder consolidado nas mãos de um partido que é visto mais como radical do que conservador.

Haveria poucos controlos de poder suficientemente fortes para mitigar esse desequilíbrio; pelo contrário, os planos de Trump para enfraquecer a independência do setor público, juntamente com a sua promessa de politizar o Departamento de Justiça e as agências reguladoras, concentrariam ainda mais o poder. Trump teria liberdade para baixar impostos, impor tarifas, restringir ainda mais o acesso ao aborto, aliviar os já fracos controlos sobre a posse de armas, aplicar a lei de imigração a seu belo proveito e aumentar a enorme dívida.

A política externa também estaria vulnerável a mudanças significativas, porque o sistema político dos EUA dá uma larga margem de manobra ao executivo. É bem possível que Trump reduza ou até elimine o apoio dos EUA à Ucrânia, esvazie os compromissos dos EUA com a NATO, dê carta branca a Israel para levar a cabo a guerra em Gaza e no Líbano e criar acordos, recuse participar nos esforços globais para combater as alterações climáticas e dê prioridade a questões comerciais bilaterais com a China em detrimento de preocupações mais amplas com o comportamento de Pequim no estrangeiro.

As eleições têm consequências, e estas mais do que a maioria, dado que as diferenças entre os candidatos superam em muito quaisquer semelhanças. Após um debate que parece ter feito a balança pender contra Biden, e sem haver forma de saber se haverá mais algum candidato democrata, e como ele ou ela se sairia, os amigos e aliados dos EUA devem preparar-se para mudanças potencialmente significativas em janeiro.

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